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Carta de Luizinha de Nanã da Vila Autódromo para a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas
Esta é uma carta de Heloisa Helena Costa Berto/Luizinha de Nanã da Vila Autódromo para o Sr. Ulrik Halsteen membro do Grupo de Trabalho (GT) sobre Empresas e Direitos Humanos do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU.
É com lamento que escrevo novamente para esta Comissão de Direitos Humanos.
Sou moradora removida da Vila Autódromo, local onde esta sendo construindo o Parque Olímpico. Em meu último relatório supliquei a interferência da ONU, para os casos de abusos, ameaças e violências que estão ocorrendo na Vila Autódromo.
Sou moradora removida da Vila Autódromo, local onde está sendo construído o Parque Olímpico. Em meu último relatório supliquei a interferência da ONU, para os casos de abusos, ameaças, e violências que estão ocorrendo na Vila Autódromo.
Escrevo novamente, como cidadã que sofreu ameaça de morte e teve a casa religiosa–de religião afro-brasileira do qual era guardiã–demolida há menos de um mês. Além disso tive moral destruída por calúnias, e fui humilhada em público por agentes da prefeitura no momento da demolição, quando meus pertences foram chamados de lixo.
Hoje vivo de caridade, com os meus pertences espalhados em casas de amigos. Estou sendo obrigada a doar meus animais. A prefeitura do Rio de Janeiro me deixou na rua.
A justiça brasileira diz que não tem previsão de quando eu poderei receber uma indenização, que nem foi negociada em comum acordo. O que eu pedia era para ser reassentada e receber uma pequena indenização que foi estipulada pelas benfeitorias, tendo sido avaliada pela perícia da prefeitura para que eu pudesse reconstruir minha casa.
Tenho problemas físicos. Além desses problemas hoje me encontro com depressão profunda e síndrome de pânico.
Esta é a terceira vez que escrevo para a ONU. Já enviei dois relatórios. Por obra do destino estou nos Estados Unidos em Washington, D.C. Gostaria de poder ser recebida na ONU para que eu possa expor meu caso com vídeos e fotos que provam minhas declarações.
Apelo a ONU em função de meu país ter acordos internacionais que deveriam garantir minha proteção, e de tantos outros que infelizmente passam pela mesma situação em Vila Autódromo. O Estado brasileiro ao longo do tempo tem firmado tratados e pactos internacionais e assumido compromissos com outras nações que levam em consideração diversos temas de direitos humanos. Além disso, os cidadãos brasileiros são sujeitos de direito internacional apto a exigir processualmente a promoção e o cumprimento de seus direitos humanos junto aos organismos internacionais de proteção.
O Brasil é signatário dos seguintes tratados e convenções internacionais de direitos humanos que estabelecem regras relativas ao direito à religião, à terra, à moradia e à propriedade:
- Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948;
- Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966;
- Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966;
- Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965;
- Declaração Sobre Raça e Preconceito Racial de 1978;
- Declaração Sobre Assentamentos Humanos de Vancouver de 1976;
- Agenda 21 Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992;
- Agenda Habitat 1996; e
- Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969.
As remoções e deslocamentos que ocorreram e ocorrem hoje na cidade do Rio de Janeiro são graves violações aos direitos humanos, em particular ao direito a moradia adequada, de acordo com a Resolução 1993/77 da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
No mesmo texto se afirma que devem existir recursos de apelação jurídica destinados a evitar remoções ou demolições planejadas mediante a emissão de mandados dos tribunais, e procedimentos jurídicos para obter indenização depois da ocorrência de uma remoção ilegal.
Sem mais e esperando obter uma resposta.
Heloisa Helena
Coletivo de Fotógrafos ‘Imagens do Povo’ Parte 3: Resistência Através da Beleza
Este é o último artigo de uma série de três partes sobre o coletivo de fotografia Imagens do Povo.
“Eu acho que nós estamos vivendo este grande conflito: uma história única ou muitas histórias; a manutenção do status quo ou a produção de grandes transformações.”
“Se você fotografar alguém com dignidade, seja na dor ou alegria, você aproxima as pessoas. Mesmo que seja através de uma reflexão crítica, mas você aproxima as pessoas.” – João Roberto Ripper
Imagens do Povo é uma escola e um coletivo de fotografia baseado no Complexo da Maré. Foi fundado João Roberto Ripper, um célebre fotógrafo documentarista que enfatizou os princípios da dignidade e empatia. Os dois primeiros artigos desta série apresentaram dois grupos de fotógrafos do Imagens do Povo: os ‘repórteres-ativistas‘ e os ‘arquivistas-documentaristas‘. Neste artigo iremos questionar como o trabalho destes fotógrafos pode ser enquadrado dentro das discussões sobre a produção dos meios de comunicação sobre favelas, a estética das favelas, e as lutas de resistência.
Opressão e resistência no Complexo da MaréDe acordo com os resultados da pesquisa na qual esta série foi baseada, no caso do coletivo Imagens do Povo, a variação na forma de resistência–pelo ativismo e denúncias de violações, e por documentação de identidades, cultura e vida diária–responde à variação nas formas de opressão sofridas. Estas formas de opressão incluem estigmatização na grande mídia e no discurso do governo; criminalização dos movimentos sociais e povos não-brancos e pobres passando por intervenções militaristas; a ocupação de comunidades e a violência do exército e da polícia patrocinada pelo Estado; e ameaças da tomada de espaços públicos para o benefício de interesses privados.
O Imagens do Povo desempenha um papel fundamental na luta contra essas opressões por envolver na disputa sobre a estética, símbolos e conceitos relacionados com favelas. Suas fotografias lidam com a identidade e a representação dos moradores da Maré e o impacto da compreensão de si próprios, bem como sua relação com a favela e a cidade em geral. O fato dos moradores das favelas tomarem o controle dos meios e modos de produção e reprodução de imagens e do imaginário é revolucionário, embora não novo.
O editor associado da Revista artnet Ben Davis resume o filósofo francês Jacques Rancière, quando escreve que “a política é a luta de um não reconhecido pelo reconhecimento equitativo na ordem estabelecida”. Contra a “ordem estabelecida” das representações dominantes da favela na mídia, os fotógrafos do Imagens do Povo mostram uma perspectiva diferente, menos reconhecida, que, pela definição de Ben Davis faz sua arte inerentemente uma luta política.
Equilibrando as duas estéticas com a políticaAs abordagens do ‘reporter ativista‘ e do ‘arquivista-documentarista‘ não se encaixam em categorias opostas de arte politicamente engajada de um lado e arte autônoma e politicamente independente do outro. Em vez disso, essas duas abordagens encontram um equilíbrio entre as ideias co-existentes de Rancière da arte influenciada pela vida (e, portanto, também pela política) e da arte que resiste a interferência ou arte pela arte. Cada forma expressa e resulta em potenciais políticos e artísticos.
Os fotógrafos do Imagens do Povo mostram como este equilíbrio tenso e a coexistência entre arte e política se encontram, como escreve a historiadora de arte Sophie Berrebi, “uma forma que pode existir no meio de duas estéticas opostas”.
No caso da abordagem do ativista-repórter, o trabalho dos artistas se funde, nas palavras de Sophie Berrebi, “com outras formas de atividade e de ser”. A foto de Luiz Baltar, ‘Marcha Contra o genocídio de negros na Maré’, é um claro exemplo da fotografia imersa em eventos políticos e lutas:
No caso da abordagem arquivista-documentarista, “o potencial político da experiência estética deriva da separação da arte de outras formas de atividade”. Há uma resistência passiva no artista dando um passo para trás em relação aos problemas da vida política e se aprofundando no domínio da estética ou da beleza. A fotografia de Ratão Diniz demonstra esse foco nas suas preocupações artísticas e seus interesses fotográficas pessoais.
Empatia mais do que choqueBen Davis escreve que a estética–o conjunto de princípios relacionados com a natureza e a apreciação da beleza, gosto e arte–é a luta “sobre a imagem da sociedade–o que é permitido dizer ou mostrar”.
A pesquisadora de mídia brasileira Beatriz Jaguaribe argumenta que a estética brasileira é muitas vezes caracterizada por o que ela chama de ‘choque do real‘. A realidade, como representada na grande mídia, é retratada por meio de eventos e narrativas chocantes, que são retratadas como normais.
Em contraste, a fotografia ‘empática’ do Imagens do Povo tem um foco diferente. Que lembra a ideia de Rancière de estética relacional, em que “a arte existe para trazer os laços sociais entre as pessoas”, especialmente os marginalizados pela sociedade. A imagem por Monara Barretto de um grafiteiro de uma favela de São Paulo que realizou sua arte na Maré cumpre este objetivo literalmente. Ele destaca a arte e a troca de cultura tendo lugar nas favelas, sem referenciar eventos “chocantes” como a violência e a pobreza.
Ao usar a empatia mais do que o choque, a fotografia do Imagens do Povo contrasta com as realidades sujas, violentas e sem esperança retratadas pela grande mídia.
Jaguaribe argumenta que as narrativas ‘chocantes’ da grande mídia e do senso comum são baseadas em suposições e preconceitos simplificados. O teórico de arte Joseph Nechvatal destaca o argumento de Ranciére que as contra-narrativas como as mostradas pelo Imagens do Povo são cada vez mais importantes hoje “para combater os efeitos de simplificação da nossa época”, que resultam “do excesso de mensagens de entretenimento orientadas para o consumidor, e propaganda política que a mídia de massa aplica para nos alimentar diariamente com interesses de lucro corporativo e manipulações psicológicas governamentais”.
Equilibrando ‘atos de existência’ e ‘vida pulsante’Em meio as significativas transformações no Rio, com o programa das UPPs, Copa do Mundo e as Olimpíadas, os fotógrafos do Imagens do Povo mostram que não há maior megaevento que a própria vida. Esta abordagem se alinha com a política da estética de Rancière, o que demanda a “honra conferida ao lugar comum, mostrando sintomas de uma época, de uma sociedade, ou de uma civilização nos detalhes minuciosos da vida comum”. O fotógrafo Francisco Valdean procura constantemente e captura a beleza em cenas comuns em favelas, como nesta foto das crianças que brincam na Maré:
Imagens do Povo é dedicado ao processo que Rancière descreve, de honrar e revelar. Mostrar beleza, felicidade e boa vontade, independentemente das adversidades sociais ou geográficas é a chave para a luta contra a estigmatização. Assim, cada fotografia do Imagens do Povo que contesta a interpretação dominante e que captura a vida diária está resistindo à opressão, ao mesmo tempo que fortalece as identidades e relações sociais.
Nas palavras de Ratão Diniz, um antigo fotógrafo do Imagens do Povo, seu trabalho é “denunciar [a opressão] através da beleza, a beleza das favelas!” Na verdade, o objetivo é honrar e preservar a vida pulsante das favelas: tais medidas podem vir a ser chamadas tanto de atos de existência e atos de resistência.
O sentimento de equilíbrio e de afirmação da beleza por trás da fotografia do Imagens do Povo se reflete nas palavras do poema de Shane Koyczan, “Para este dia“: “Nossas vidas só poderão sempre / Continuar a ser / Um ato de equilíbrio / Que tem menos a ver com a dor / E mais a ver com a beleza”.
Andrea Cangialosi realizou um mestrado internacional em Sociologia nas universidades de Freiburg, Buenos Aires e Bangkok. Esta série é baseada em sua pesquisa como repórter do RioOnWatch e no seu trabalho de campo para sua tese “Vida Pulsante: Rio’s Mega-Events Footprints, Oppressions and Resistances in Maré Favelas as Pictured by Imagens do Povo Photographers” (Vida Pulsante: As pegadas dos Megaeventos, Opressões e Resistências na Favela da Maré no Rio de Janeiro Retratadas pelos Fotógrafos do Imagens do Povo).
GatoMÍDIA Sedia Residência de Mídia e Tecnologia Favelado 2.0 no Complexo do Alemão
Entre 1 e 12 de março, o coletivo de mídia GatoMÍDIA do Complexo do Alemão sediou uma intensiva residência de mídia e tecnologia para capacitar jovens de favelas para edificarem as suas próprias culturas e “construir gambiarras para o futuro.”
Intitulado Favelado 2.0, a residência incluiu oficinas de vídeo, fanzines, ilustração, fotografia, mídias sociais, texto e mídia-ativismo. De acordo com o GatoMÍDIA “a ideia é empoderar cada vez mais a cultura colaborativa na favela estimulando cada um a compartilhar conhecimento com o outro, fortalecendo assim uma cultura de rede local de favelados conectados construindo seu próprio futuro”.
GatoMÍDIA levantou fundos para realizar o ambicioso e inovador Favelado 2.0 através de uma campanha de financiamento colaborativo (crowdfunding) com outros sete projetos comunitários no Complexo do Alemão em dezembro passado e recebeu verba do Common Action Forum de Madrid.
Mais de 200 moradores jovens de favelas se inscreveram para participar da residência. Foram selecionados 20. Metade dos lugares foram alocados para moradores do Complexo do Alemão e da Penha, onde a residência foi ministrada, e as outras vagas foram para moradores de favelas de toda a cidade do Rio e da Baixada Fluminense na Grande Rio. A seleção final incluiu moradores do Complexo do Alemão, Maré, Jacarezinho, Cavalcante, Engenho da Rainha e Complexo da Penha, na Zona Norte; Cidade de Deus e Praça Seca na Zona Oeste; Santa Marta e Tabajaras, na Zona Sul; e São João de Meriti na Baixada Fluminense. Os participantes chegaram ao workshop com diferentes interesses, incluindo design gráfico, teatro, vídeo, jornalismo e graffiti.
A residência começou em 1 de março com base na Nave do Conhecimento em Nova Brasília, Complexo do Alemão. Com forte foco em participação e trocas, as discussões de abertura da residência exploraram a filosofia de que favelas são lugares de criatividade e inovação, ou a cultura maker (faça-você-mesmo). Jornalista e integrante da GatoMÍDIA Thamyra Thâmara argumentou que “criar e inovar no cotidiano é a ferramenta de resiliência do pobre, preto e favelado. Nós reinventamos nossa vida todos os dias. E estamos desconstruindo para continuar criando conceitos próprios e disputando nosso lugar de fala e de fazedor”.
Os dias de abertura contaram com palestras inspiradoras dos mídia-ativistas Raull Santiago do Coletivo Papo Reto e Anderson Araujo da Mídia Periférica em Salvador e exercícios envolventes em que os participantes tiveram que defender o seu ponto de vista.
Sabrina Martina, de 18 anos, do Complexo do Alemão, explicou no terceiro dia: “A proposta é incentivar a nossa criatividade. É muito maneiro o projeto. É uma proposta totalmente nova e tenho certeza que a gente não vai sair do mesmo jeito”.
Oficinas sobre ferramentas e técnicas específicas foram seguidas por treinamento na criação de vídeos para o YouTube pelo ator e comediante Marcelo Magano que incentivou o grupo dizendo: “Qual habilidade informal você possui? Que tal criar metodologias para essas habilidades? A ideia criativa nada mais é do que uma combinação de coisas. Um grande liquidificador da mente!”
O fotógrafo e integrante da GatoMÍDIA João Lima conduziu oficinas de fotografia. O workshop de ilustração foi realizado pelo designer e animador Lucas Pelegrineti enquanto Thamyra Thâmara conduziu workshops sobre mídias sociais e projetos de apresentação.
A segunda semana da residência foi focada na aplicação prática das técnicas aprendidas e no desenvolvimento de projetos e ideias. Durante a semana o grupo trabalhou de forma colaborativa para produzir vídeos, ensaios fotográficos e um texto coletivo.
O vídeo “Gambimake” feito por Mayara Ximenes, Caroline Christmann, Isys Natã, Alessandra Martins, Larissa Neves, Rodrigo Vicente e Robson Deluqui é um tutorial de maquiagem usando produtos a preços acessíveis. A maquiadora e apresentadora Mayara, de 23 anos, explica: “A gente sempre vê um monte de tutoriais, mas é sempre com maquiagem bem cara. A gente vai usar produtos que compramos em bairros populares ou até mesmo em camelôs. Nada que está aqui passou de R$10, e é acessível para todo mundo”.
Um vídeo apresentado por Samuel Sorriso, de 19 anos, explora a cultura maker que existe na favela, levando o espectador a um passeio de criatividade e inovação do cotidiano. Com humor e carisma, Samuel destaca os pesos criados a partir de garrafas de refrigerantes, recipientes de sorvetes feitos de garrafas de água, esponjas de lavagem de carros fabricadas a partir de um colchão, latas de lixo improvisadas e os moto-táxis como eficazes meio de transporte nas estreitas vielas das favelas.
Ele termina o vídeo falando sobre sua experiência na residência Favelado 2.0: “Foi uma grande aventura e um grande prazer poder estar essas duas semanas junto com o povo da residência, uma troca de experiências e estudos. Admirei e gostei muito”.
No dia final da residência, GatoMÍDIA publicou o texto coletivo produzido de forma colaborativa pelos participantes que explora a definição de “Favelado 2.0”. O texto é uma afirmação de que a geração mais jovem é tecnologicamente mais astuta, digitalmente conectada e tem o poder de criar sua própria cultura. Ele também descreve a vida e os desafios diários tais como o estigma da experiência em shoppings ou bares da Zona Sul, a dificuldade de transporte para a praia ou chegar em casa tarde a noite, durante tiroteios e as tensões com a polícia. O texto conclui:
“[O favelado 2.0] aprendeu que seu celular pode ser utilizado tanto pra zoação, como para registrar os esculachos, os delicados momentos de conflitos onde os direitos humanos são violados. Ele também é chamado pra ajudar aquela vizinha que comprou um aparelho celular e não sabe manusear. O favelado 2.0 é cria, tá na pista pra negócio, registrando tudo, nada passa batido, tá ligado nas novidades, se reinventando e fortalecendo a favela.”
A residência foi finalizada no sábado, 12 de março, com uma discussão sobre os realizadores nas favelas e a apresentação de projetos desenvolvidos durante as duas semanas. Na sequência desta primeira edição bem-sucedida, GatoMÍDIA está planejando uma segunda residência a ser realizada em maio.
Um Conto de Dois Planos: Uma Análise Crítica do Plano de Urbanização do Prefeito Paes para a Vila Autódromo
Na terça-feira, 8 de março o Prefeito Eduardo Paes finalmente lançou seu plano para a comunidade Vila Autódromo, ao lado do Parque Olímpico. A ausência de um plano público da prefeitura até esse ponto tinha mantido os moradores em um estado constante de estresse e ceticismo em relação às promessas do prefeito que aqueles que queriam ficar poderiam permanecer. Infelizmente, o plano da prefeitura não oferece um alívio completo. Projetado e entregue em um processo exclusivo e de cima para baixo, o plano da prefeitura exige a eliminação quase total das estruturas existentes, ignora as necessidades identificadas pelos moradores, e procura esconder a experiência da remoção. É um estudo de caso de planejamento urbano de má qualidade, as suas falhas ficam ainda mais gritantes quando o plano é comparado ao Plano Popular desenvolvido por moradores e apoiadores.
O prefeito apresentou o plano da prefeitura para um seleto grupo de jornalistas numa coletiva de imprensa na Cidade Nova, no Centro do Rio. A hora e o local da coletiva de imprensa foram alterados apenas algumas horas antes, para que os membros da comunidade não pudessem participar do evento e falar com a imprensa lá, embora eles tenham realizado a sua própria coletiva de imprensa no local original, em Botafogo. Um grupo de moradores e apoiadores foram à Prefeitura esta semana, em 15 de março, para exigir que o prefeito apresentasse o plano para eles diretamente, para que eles pudessem começar a discutir as suas propostas e formular uma resposta.
Maria da Penha, cuja casa foi demolida na última terça-feira no Dia Internacional da Mulher, explicou: “Nossa ideia é ressaltar que ele não nos chamou para mostrar o projeto. Já vimos mas oficialmente com eles, não vimos. Até porque nós queremos discutir o plano. A gente quer que ele nos receba para discutirmos algumas coisas.”
Contrastando os planos: As propostasO plano da prefeitura diz que existem 25 famílias remanescentes na Vila Autódromo e propõe a construção de 30 casas. A última versão do Plano Popular, apresentado publicamente em 27 de fevereiro, projeta 50 casas.
Um dos aspectos mais perturbadores da apresentação do prefeito é a proposta de demolir completamente as estruturas das casas existentes, a fim de construir uma única rua de pequenas casas uniformes e germinadas de duas a duas. Um Powerpoint até agora é tudo que existe disponível publicamente sobre o plano. Não há nenhuma explicação para o processo ou cronograma para estas demolições e a reconstrução. Note-se que a demolição completa reflete o que os planejadores urbanos se referem como a renovação urbana, muito diferente da urbanização prometida do local.
Dadas as táticas anteriores da prefeitura de fraude e intimidação juntamente com a falta de transparência, o morador Delmo Oliveira insiste que os moradores da comunidade não irão sair para a implementação do plano do prefeito: “Nós não acreditamos nele. Só acreditamos vendo. Quando tiver pronto. Se ele mandar a gente desocupar as casas para construir não vamos desocupar. Porque ele derruba e depois vai na justiça em busca do direito [de remoção completa]”.
Durante a apresentação–somente para convidados–Eduardo Paes afirmou que as novas casas seriam construídas antes dos Jogos Olímpicos, e que a maioria dos moradores restantes podem ficar em suas casas atuais, enquanto as novas casas estarão sendo construídas.
Em comparação, a iteração mais recente do Plano Popular mostra a viabilidade da manutenção de estruturas e espaços existentes, incluindo casas, a Igreja Católica, o prédio da Associação de Moradores agora demolido, e o parquinho construído pela comunidade. Também prevê novas casas para os moradores que nunca aceitaram as ofertas da prefeitura, mas cujas casas foram demolidas assim mesmo.
A prefeitura planeja fornecer serviços públicos exigidos de esgoto e iluminação para as ruas refeitas. O plano também prevê uma igreja e uma quadra de basquete, mas é perceptível a falta de planos para a maioria dos espaços propostos pelos moradores para atender às necessidades específicas da comunidade, incluindo uma creche, um espaço multi-uso com atividades que vão desde cursos de educação para adultos a uma agência de emprego, e espaços de exercício para os idosos, além de outros espaços de lazer. O mapa do plano da prefeitura carece de um edifício para a Associação de Moradores, apesar do fato de que a Associação é parte integrante da história e do senso de comunidade da Vila Autódromo, além de ser esperado que exista uma em todas as favelas para representá-las legalmente.
O Plano Popular explica a importância desses espaços públicos: “A comunidade se caracteriza, ao longo de toda a sua história, pela solidariedade e cooperação entre os moradores, o que representa um grande e importante acúmulo de experiências de mobilização, de organização e de ajuda mútua”. Tendo isto em vista, os espaços compartilhados são importantes e a proposta da prefeitura alteraria a natureza e estrutura social da comunidade.
As propostas dos moradores para um melhor acesso ao resto da cidade, incluindo o retorno de uma linha de ônibus recém-cortada, não são tocadas no plano da prefeitura. As duas escolas propostas pela prefeitura respondem a algumas das preocupações dos moradores para um melhor acesso à educação, mas os moradores tinham sugerido que uma escola fosse construída no Parque Olímpico, não no próprio terreno da Vila Autódromo.
Delmo Oliveira questionou a motivação real para as duas escolas para apenas 30 famílias: “Eles tinham dois estádios para serem desmontados depois das Olimpíadas. [Paes] já tinha dito que esses virariam escola. Porque ele quer colocar uma de cada lado da Vila Autódromo? Para camuflar para ninguém ver que aí tem uma comunidade? Para quê essas duas escolas?”.
A apresentação do prefeito também carece de espaços designados para o comércio local. A Vila Autódromo tinha um número de negócios prosperando que incluíam uma mercearia, padaria, e pequenos restaurantes geridas por empresários locais. Delmo também comentou sobre esta lacuna na apresentação do prefeito: “Por exemplo, o centro comercial. Onde nós da comunidade iremos comprar pão?”.
Talvez a omissão mais simbólica (e surpreendente) do plano da prefeitura é a proposta dos moradores para manter as ruínas de uma casa demolida como um “espaço de memória e Verdade, testemunho do processo de demolições e violações de direitos humanos“. Ao propor a construção de um novo bairro a partir do zero, a prefeitura não está apenas rejeitando a ideia de um memorial, mas está claramente tentando apagar todas as provas materiais da luta da comunidade.
Contrastando os planos: As histórias que eles contamA história da luta da comunidade já está ausente na apresentação Powerpoint do plano de renovação urbana do prefeito. Uma série de gráficos conta uma história em que um terço da comunidade teve que sair, enquanto 97% daqueles que não precisavam sair, “pediram” e “escolheram” sair.
Enquanto isso, o marketing amigável do Parque Carioca, conjunto habitacional para onde moradores foram removidos, mostra crianças sorridentes se divertindo em uma piscina. Este é um retrato de um lado desta habitação pública, que tem sofrido problemas estruturais e onde alguns moradores lutam para dar conta dos custos. A piscina do Parque Carioca está atualmente infestada com crescimento de fungos e os moradores foram proibidos de entrada por meses. Foi dito à eles que eles terão que pagar para a manutenção. Delmo expressou ceticismo em relação as implicações do prefeito: “[Paes] diz que 500 famílias, 500 e poucas famílias estão felizes no Parque Carioca. Aí eu queria desafiar qualquer repórter, a ir lá e achar essas 500 famílias”.
O Plano Popular, em contraste, documenta extensos esforços da prefeitura para convencer as pessoas a sairem:
“As ameaças incluíam dizer que os últimos ficariam com os apartamentos menores e piores e que, até setembro de 2014, não restaria nada da comunidade.”
“As informações oficiais nunca chegavam, mantendo o clima de medo sobre o que aconteceria com os que não negociassem [para deixar a comunidade].”
O plano da comunidade descreve o declínio gradual da qualidade de vida no bairro dado que casas foram demolidas, o abastecimento de água foi interrompido pela construção do Parque Olímpico, serviços como coleta de lixo e eletricidade foram reduzidos, e as árvores foram removidas.
Foi documentado, em maio de 2014, que 187 famílias queriam ficar. Subtraindo as 25-50 famílias que permanecem, isso significa que alguns 137-162 famílias negociaram para sair só depois de maio de 2014, devido à intensificação da pressão, a deteriorização do bairro, os maiores incentivos, a declaração de desapropriação em março de 2015, ou outras circunstâncias. O plano do prefeito se esforça para mostrar que nem todo mundo queria ficar, o que é verdade, mas obscurece deliberadamente o fato bem documentado que a maioria das pessoas que negociaram inicialmente, ou mesmo em última análise, não queriam sair.
A apresentação do prefeito também conta uma história simples de porque as pessoas tiveram que ser removidos: ou suas casas estavam no meio de uma estrada de acesso ao Parque Olímpico, ou eles viviam no trecho de terra ao longo da lagoa, que supostamente precisava ser recuperada para conservação ambiental. Desde 2009, no entanto, as razões oficiais para a remoção da Vila Autódromo mudaram várias vezes. Um mapa no Plano Popular destaca quatro outras motivações que estariam causando ou justificando a remoção de moradores: para abrir caminho para tubulações de água, para alargar uma estrada ao lado da comunidade, para a “liberação” da frente de um hotel de 5 estrelas e construir uma ponte pedonal, e finalmente, em vez da justificação ambiental, “para liberação da vista dos edifícios residenciais pós Olimpíadas”.
Contrastando os planos: Processo e transparênciaAs discrepâncias quanto ao conteúdo, profundidade e formato entre os dois planos é um reflexo dos diferentes processos que tiveram lugar para desenvolvê-los. Não foi publicamente informado como a prefeitura chegou ao plano que o prefeito propôs na semana passada. O RioReal Blog relata que Eduardo Paes afirma que ele não poderia liberar o plano antes porque “ele precisava saber quantos moradores iriam ficar no local e que era necessário fazer sigilo, para evitar a chegada de novos candidatos a morador na área a ser, agora, urbanizada”. Certamente, a prefeitura poderia ter encontrado uma maneira de distinguir moradores de longa duração dos recém-chegados. Mas é verdade que lançar o plano antes poderia ter impactado o número de moradores: talvez menos teriam desistido de lutar por conta do estresse e pressão.
A escassa apresentação de Powerpoint com 24 slides do prefeito é um produto que alguém poderia ter realizado em cerca de trinta minutos, uma vez que o mapa proposto não é adaptado à área existente ou às demandas dos moradores. A imagem da linha projetada de casas pode ser um projeto para qualquer lugar.
O processo de criação do plano da prefeitura (nem levando em conta a remoção dos últimos anos) falha em, pelo menos, três dos oito Princípios de “Responsabilidade ao Público” delineados pela American Institute of Certified Planners (Instituto Americano de Planejadores Urbanos Certificados): prestação de informação conveniente e a tempo; participação; e conservação do patrimônio do ambiente construído. Ele falha em relação a todas as sete diretrizes para a construção de boas comunidades do Project for Public Spaces (Projeto Para Espaços Públicos), que se esforça pelo envolvimento da comunidade e encoraja as comunidades a articularem suas visões.
Em contraste, o Plano Popular da Vila Autódromo evoluiu de forma pública e transparente, desde 2011, como descrito no plano. Os desafios dos moradores, soluções propostas e a visão para a comunidade foram amplamente debatidos e articulados ao longo dos últimos cinco anos em reuniões comunitárias, lideradas por moradores e apoiadas por planejadores urbanos de duas universidades (UFRJ e UFF), todos expressamente reconhecidos no final do documento. Diferentes iterações do plano foram feitas levando em conta as ações da prefeitura no entorno da comunidade, mostrando adaptabilidade e disposição da Vila Autódromo para trabalhar com os Jogos Olímpicos e a prefeitura. Não é apenas um plano para urbanizações físicas, mas um plano de “desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural”.
Ao produzir um plano comunitário colaborativo, os moradores da Vila Autódromo demonstraram o tipo de processo de planejamento em que acreditam. “Nós mostramos a cidade que queremos, a que temos direito, e como construí-la”, explica o plano. Nesta visão de cidade “é a comunidade da Vila Autódromo que decide e estabelece as prioridades… a população que vive a realidade e as dificuldades do dia-a-dia, que irá dizer o que é necessário e como deve ser feito”. Os autores do Plano Popular vêem o plano como um modelo para o resto da cidade ter “uma nova forma de construir uma cidade democrática e uma nova forma de planejar a cidade”. Tudo isso, eles argumentam, é direito do povo: o “direito para decidir o nosso destino”.
Contestando a luta na mídiaEmbora tivesse atraído alguma atenção na mídia nacional e internacional nos meses anteriores, a luta da Vila Autódromo tem sido amplamente coberta nas últimas semanas devido às recentes demolições do prédio da Associação de Moradores, a casa e local religioso de Heloisa Helena Costa Berto, e a casa de Maria da Penha no Dia Internacional da Mulher.
Eduardo Paes tem mantido em entrevistas à imprensa que a prefeitura tem estado em constante diálogo com a comunidade ao longo dos anos, especialmente no caso da demolição da casa de Penha. No entanto, ele recentemente tentou retratar os moradores restantes como oportunistas que só estão em busca de dinheiro, afirmando que “a maior parte dos casos de moradores que querem ainda ficar lá é porque não chegamos a um valor. Eles queriam receber um valor muito alto pelas casas“.
O prefeito também está tentando ganhar favor na mídia, oferecendo transparência nos casos daqueles que já partiram, e pintando antigos moradores como proprietários imobiliários gananciosos: “Aqueles que tinham mais de dez imóveis, que transformaram a Vila Autódromo num espaço de latifúndio, usando pessoas mais pobres, toda a população vai conhecer. Vão saber quantos apartamentos eles receberam como indenização e o quanto receberam de recursos. Não vamos permitir que pessoas que saíram dali com uma negociação bastante vantajosa se utilizem dessa oportunidade para se fazerem de vítimas”.
Sem distrações, os moradores da Vila Autódromo mantiveram a pressão sobre Paes, mobilizando a campanha de vídeo #UrbanizaJá demandando a urbanização prometida do local. Ativistas, acadêmicos, políticos, celebridades e membros de organizações internacionais e movimentos de solidariedade aderiram à campanha. Vários participantes assinalaram que o Plano Popular original teria apenas o custo de R$13,5 milhões, em comparação com os mais de R$208 milhões que a prefeitura acabou usando só em indenizações (sem contar com a construção do Parque Carioca) para a remoção da comunidade. Embora o prefeito tenha, agora, apresentado seu plano, esta semana a moradora Sandra Maia pediu aos apoiadores para continuarem a campanha: “Precisamos que essa campanha de #UrbanizaJá continue. Porque a grande pergunta do #UrbanizaJá era quando. Quando o senhor perfeito vai começar a urbanização da Vila Autódromo? E essa pergunta ela não foi respondida”.
O prefeito também deve explicar por que seu plano insiste em apagar o bairro atual e suas memórias, e por que ele, simplesmente, não aceita o premiado internacionalmente Plano Popular.
Assine o abaixo-assinado exigindo ao prefeito que ele discuta os planos para a urbanização diretamente com os moradores da Vila Autódromo. Leia o Plano Popular de 2016 aqui. Acesse a apresentação em Powerpoint da prefeitura sobre os planos para a Vila Autódromo, entregue pelo Prefeito Paes em 8 de março, aqui.Exposição ‘Favela Tem Memória’ Traz ao Público a Memória Social das Favelas do Rio [IMAGENS]
Favela Tem Memória é uma exposição organizada pela ONG Viva Rio que explora a história de 12 favelas situadas ao longo das linhas do metrô do Rio. A exposição foi inaugurada no dia 29 de fevereiro: iniciada no dia 29 na estação Pavuna, no extremo da Zona Norte, e aportada agora na estação General Osório, em Ipanema na Zona Sul, onde ficará até dia 18 de março.
Usando uma plataforma multimídia interativa, turistas e pessoas a caminho do trabalho poderão explorar a memória social e a história de 12 favelas: Acari, Mangueira, Salgueiro, Colégio, Chapadão, Borel e Pedreira na Zona Norte; Providência, Santo Antônio e Mineira/São Carlos no Centro do Rio; Cantagalo, Pavão/Pavãozinho e Rocinha na Zona Sul. A informação inclui um breve resumo sobre a demografia da favela, como se formou, fotografias de diferentes períodos e depoimentos de vários moradores de longa data.
O mosaico de histórias coletadas pelos pesquisadores inclui relatos de líderes comunitários, donas de casa, imigrantes e sambistas. Suas histórias e arquivos de imagens mostram o desenvolvimento da cultura da favela, o estilo de vida dos moradores e as paisagens urbanas das comunidades.
Numa das histórias, Eidibal Neves, um morador do Cantagalo, descreve como era a vida na favela quando ele era jovem: “Sempre que dava vinha um vizinho ajudar numa obra, numa reforma, construir um barraco. E a gente repartia quase tudo. Na casa de fulano tá faltando um dente de alho… a gente dava dois ou três dentes para ele. Aqui em casa tá faltando arroz, o outro dava… era uma troca constante de gentilezas. Todo mundo era pobre, a vida no morro era difícil, mas todos se ajudavam”.
A exposição também realça outros aspectos da história das favelas, como as remoções durante a ditadura militar. Entre 1968 e 1975, quase 100 comunidades foram destruídas e mais de 150 mil pessoas foram removidas de suas casas.
Margarida Siqueira da Silva, antiga moradora da favela da Catacumba na Lagoa, que foi destruída em 1970, conta: “Foi difícil me acostumar com o subúrbio. Chorei muito na hora de ir embora. Todos os meus amigos moravam na Catacumba”.
Dentro das histórias há também as de moradores mais velhos, que recordam aspectos diferentes da história das suas comunidades, e de famílias que estão envolvidas com o desenvolvimento e a cultura da comunidade. Joel da Mineira, do São Carlos, conta sobre o envolvimento de longa data da sua família com a história do samba da área: “O samba é uma coisa de raiz, né? É hereditário… Meu pai foi um dos grandes pioneiros dentro da comunidade. Além de sambista, foi um grande líder comunitário, que trouxe vários benefícios para cá. Também foi criador de vários blocos, como o Bloco da Mineira. Foi o fundador da Escola de Samba Mirim Sementinha do Estácio. Eu hoje “estou” presidente da Escola de Samba Mirim Nova Geração do Estácio… estou no sexto mandato, fazendo um trabalho com essa garotada”.
Mais histórias sobre os moradores, fotos e informação sobre a exposição podem ser encontrados no site do projeto Favela Tem Memória, um portal que vem sendo desenvolvido pelo Viva Rio desde 2005 para documentar a história e memórias das favelas.
A exposição ‘Favela tem Memória’ estará diariamente aberta das 9.00h às 18.00h na Estação de metrô General Osório até o dia 18 de março.
Ocupação Vito Giannotti Continua Realizando Planos de Habitação Acessível na Região do Porto
Domingo, 6 de março, moradores e líderes de movimentos sociais da Ocupação Vito Giannotti na Região do Porto, em Santo Cristo, realizaram um terceiro mutirão para renovar o espaço da ocupação. Cerca de 40 pessoas da Vito Giannotti e apoiadores se juntaram ao evento.
Desde o início da ocupação no final de janeiro, moradores e líderes de movimentos sociais têm trabalhado arduamente em negociações junto ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), o proprietário do edifício, e o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal para conseguir que o projeto de moradia popular seja iniciado.
A ocupação pretende solicitar para o programa Minha Casa Minha Vida-Entidades (MCMV-En) o financiamento para realizar mais reformas no edifício. MCMV-En é uma pequena parte do programa habitacional federal Minha Casa Minha Vida que permite que organizações sem fins lucrativos, cooperativas e associações solicitem fundos para construir e desenvolver a sua própria habitação.
O objetivo da Ocupação Vito Giannotti é assegurar que o prédio destinado desde 2006 para habitação popular cumpra a sua função social, principalmente em uma área que vem sofrendo grandes transformações. Tem havido muito pouco progresso desde as promessas feitas em agosto para aumentar o número de unidades disponíveis de habitação a preços acessíveis na região do Porto. Além disso, o governo de Dilma Rousseff anunciou em dezembro que a terceira fase do Minha Casa Minha Vida começaria este mês. O programa tem recebido críticas pelas suas construções de má qualidade e por criar condições que reproduzem a injustiça social. Neste contexto, a determinação da Ocupação Vito Giannotti em desenvolver habitação de auto-gestão em uma localização central é importante.
Embora a maior parte da estrutura do edifício, um hotel abandonado, está em boa forma, os seus ocupantes trabalham duro para limpar quartos danificados. Há alguns quartos na parte de trás do hotel que permanecem impróprios para morar, até que os ocupantes encontraram soluções para reduzir a umidade. No passado, o interior do hotel era coberto, principalmente, com papel de parede. Embora o papel de parede tenha sido tirado, há uma fina camada de cola que cobre quase todas as paredes do segundo e terceiro andares. Grande parte da mutirão do dia 6 de março foi usado para raspagem dessa pasta das paredes, bem como a remoção de tapetes e outros detritos.
Os moradores da ocupação têm grandes esperanças para o antigo edifício. O primeiro e o quarto andar serão reservados para espaços comunitários, bem como uma pequena creche para as crianças da comunidade. Cada conjunto de dois a três quartos existentes do hotel serão transformados em um apartamento para abrigar as famílias de acordo com as normas vigentes do MCMV-En. Os ocupantes pretendem criar um escritório dentro do hotel para que os trabalhadores do movimento social possam passar mais tempo lá e também ajudá-los. Na varanda no piso superior com vista para a Região do Porto e Zona Norte, os ocupantes esperam construir um espaço comunitário de encontro para 50-70 pessoas.
O processo de ocupação não tem sido fácil. Existe resistência de todos os lados, seja do governo com a ida da Polícia Federal ao edifício com objetivo de desocupação. Ou seja devido a uma parte dos moradores que desconhecem a validade dos movimentos de moradia. Mesmo com um movimento ativo e bem seguro sobre os processos que devem ser tomados para a destinação do imóvel, a ocupação ainda enfrenta a incerteza jurídica, uma vez que eles não têm plenos direitos legais para viverem no edifício.
Quando perguntados sobre como a situação habitacional no Rio poderia ser melhorada, os ocupantes apontam o grande número de edifícios abandonados que poderiam ser transformados em habitação a custo relativamente baixo. Eles também enfatizam a importância dessa ocupação no contexto da Região do Porto como um todo, que historicamente não tinha moradia adequada e agora está enfrentando pressões de gentrificação de projectos no âmbito do programa de desenvolvimento do Porto Maravilha, como o Museu do Amanhã e do Sistema de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em construção.
Como um membro da ocupação, Júlio, afirmou: “Não temos condições de acompanhar o aumento dos aluguéis e do valor dos imóveis. Não podemos deixar de comer, para morar. Moradia digna é um direito de todos e devemos lutar por ele”.
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