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Haverá Gentrificação: O Padrão de Deslocamento dos Jogos Olímpicos Desde 1988
Como tem sido relatado neste site, muitos cariocas foram e continuam sendo removidos de suas casas ao longo dos preparativos para os Jogos Olímpicos. Este artigo pergunta se este é um caso especial da cidade do Rio, que é mundialmente famosa como ‘cidade partida’, onde os fabulosamente ricos vivem em estreita proximidade com aqueles em situação de pobreza, ou se é um problema mais sistêmico relacionado aos Jogos Olímpicos e outros megaeventos. Responder a esta pergunta nos obriga a olhar para trás e ver como as outras cidades-sede das Olimpíadas se prepararam para sediar “o maior espetáculo da Terra”.
Primeiro, precisamos definir o que nós entendemos quando dizemos que as pessoas estão sendo forçadas a deixarem suas casas. Isto, obviamente, inclui as muitas remoções forçadas vistas nos últimos anos–e intensificadas nos últimos meses–nas favelas da cidade, mas também inclui meios menos violentos, mais insidiosos. Em algumas áreas, os cidadãos foram alijados de uma comunidade quando o valor da terra aumentou, mas a riqueza dos moradores não, configurando o processo que conhecemos como gentrificação.
Encontrar os números daqueles que foram removidos à força é bastante difícil, especialmente porque alguns países-sede das Olimpíadas, onde remoções ocorreram em grandes números, também não têm várias liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de imprensa (como Seul 1988 e Pequim 2008). Calcular os números daqueles que foram forçados a se mudar devido ao aumento de custo e outros fatores associados a gentrificação é ainda mais difícil, como muitas vezes é impossível vincular o realocamento de uma pessoa ou a uma família a um megaevento especificamente; a gentrificação muitas vezes aparece como um processo inevitável, um acúmulo de circunstâncias que resulta em que pessoas optem por mudar. Estas questões são muitas vezes ignoradas, mas historicamente parecem afetar um número maior de pessoas do que as remoções violentas.
Remoções em cidades anfitriãs anterioresA preparação para os Jogos de Seul, em 1988, foi o primeiro caso de um megaevento onde ficamos sabendo que as remoções de grandes segmentos da população se tornaram um grande problema. De acordo com um relatório sobre o efeito de megaeventos sobre habitação realizado pelo Centre on Housing Rights and Evictions (COHRE) (Centro pelo Direito à Moradia e Remoções), em 2003, 720.000 moradores foram removidos na preparação para o evento, principalmente nas mãos do ditador coreano General Chun Doo-hwan.
Um grande número da população de Pequim foi removido na preparação para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. O COHRE estimou que, até 2004, 300.000 moradores da cidade tinham sido removidos, com descrições das táticas violentas usadas pelos esquadrões da demolição que fazem lembrar os recentes acontecimentos no Rio. As contestações jurídicas feitas pelos moradores de Pequim que haviam sido removidos, frequentemente não foram ouvidos pelos tribunais e os advogados que tentaram trazer estas questões para julgamento foram muitas vezes perseguidos e até mesmo presos sob acusações falsas, tais como roubar segredos de Estado.
Remoções são muito mais raras em cidades-sede com governabilidade democrática. Em Londres, cerca de 450 inquilinos foram removidos do conjunto habitacional Clays Lane, no leste da cidade. No Rio, no entanto, 77.206 pessoas foram removidas das suas casas entre 2009 e 2015, de acordo com o recém-lançado dossiê sobre as violações de direitos humanos relacionados com os Jogos Olímpicos de 2016.
Gentrificação e o direito à cidade: Uma história olímpicaMenos visível é o processo de gentrificação, que no entanto, é muito mais comum. O aumento da prosperidade econômica de uma cidade é muitas vezes aclamado como uma razão para sediar os Jogos Olímpicos. Deixando as falhas econômicas desta justificativa de lado, a riqueza limitada produzida pelas Olimpíadas muito raramente se destina para os mais necessitados. Na verdade, a riqueza é criada frequentemente à custa dos moradores mais pobres de cidades-sede, aumentando o valor da propriedade, na medida em que os moradores não podem mais pagar o aluguel. Isto tem sido comum em anteriores cidades-sedes Olímpicas–em Sydney os aluguéis subiram em até 40% durante os preparativos até aos Jogos de 2000, os alugueis em Salt Lake City subiram antes e depois dos Jogos Olímpicos de 2002, em Vancouver foi uma parte explícita do planejamento olímpico a regeneração do Downtown Eastside, e em Londres os Jogos Olímpicos agravaram a crise de habitação pré-existente na cidade. Os Jogos Olímpicos de Londres 2012 exacerbaram este problema, apesar de ser vendido à população como uma solução.
A subida dos preços dos alugueis é um sintoma de mudanças mais profundas no ambiente urbano que muitas vezes são resultado de políticas de exclusão intencionais que violam o direito à cidade iniciadas pela prefeitura como parte dos preparativos olímpicos. Outro sintoma é a remoção ou restrição de espaço público, controlando o espaço para que apenas determinados grupos (ou seja, aqueles com dinheiro) possam acessar esses espaços, transformando assim espaços democráticos em espaços de exclusão. A área ao redor do estádio olímpico em Atlanta, sede dos Jogos de 1996, tornou-se o Centennial Olympic Park, que foi vendido para moradores como um espaço público aberto, mas condenado pelo geógrafo urbano Charles Rutheiser como “uma simulação efémera de um espaço público aberto”.
Em Vancouver uma área pantanosa chamada EagleRidge Bluffs, popularmente frequentada por passeadores de cães e caminhantes, foi destruída para dar lugar a uma auto-estrada para Whistler, onde os eventos de esqui ocorreram. Em Londres camadas inteiras da população foram forçados a deixar a cidade, dado que não conseguiram mais assumir o custo de moradia quando a cidade se tornou inacessível para as pessoas com baixos salários. No Rio, estamos vendo espaços públicos importantes que estão sendo destruídos e transformados em espaços privados com fins lucrativos, exemplificado pela construção do campo olímpico de golfe na reserva ambiental de Marapendi e do próprio Parque Olímpico, que ocupou terras do Estado, que após os Jogos Olímpicos serão propriedade dos empreiteiros responsáveis pelo Parque, onde construirão habitações de luxo.
Uma vez que o espaço é privado, torna-se muito mais fácil para policiar. As empresas podem remover as pessoas que estão prejudicando a sua capacidade para gerar lucro muito mais facilmente do que o governo da cidade que existe, pelo menos em princípio, para todos os cidadãos. Em Atlanta, dos preparativos até os Jogos Olímpicos de 1996, cerca de 30.000 pessoas foram obrigadas a deixarem suas casas no centro da cidade devido a pressão do aumento dos aluguéis. Essas pessoas, como a diretora da Metropolitan Atlanta Task Force for the Homeless (Força Tarefa da Atlanta Metropolitana para os Desabrigados) notou, eram desproporcionalmente afro-americanos. Além disso, criminalizadas pelas leis agressivas contra os pobres, para muitas pessoas desabrigadas foram dadas as opções de deixarem a cidade ou serem presas e deste modo as ruas estariam “limpas” durante os Jogos. Apesar da imoralidade desta política, parece ter colado, sendo copiada em várias cidades anfitriãs nos últimos anos.
Em Sydney foram aprovadas leis para criminalizar a dissidência e diferença, e apesar da ênfase na reconciliação aborígene na retórica dos organizadores, uma verdadeira reconciliação não foi realmente adiante. Uma lei semelhante no Rio pode enquadrar manifestantes como terroristas. Em Vancouver, os moradores–principalmente na área de Downtown Eastside–foram incomodados pela polícia por pequenos delitos, incluindo embriaguez, irregularidades de pedestres e skate, enquanto o COI tenta adicionar skate no programa dos Jogos Olímpicos. Isto ilustra a diferença fundamental entre o desenvolvimento e a gentrificação: o primeiro visa melhorar uma área através do apoio ao desenvolvimento dos moradores existentes e suas comunidades, enquanto o último melhora uma área através de uma abordagem míope “solução rápida” de trocar os moradores para novos, mais ricos.
Gentrificação à la CariocaNo Rio, o programa de pacificação da polícia trouxe um aumento da percepção de segurança e, com isso, o processo de gentrificação, como é evidente, no Santa Marta, que foi a primeira comunidade a receber a experiência de pacificação. Nesta comunidade, os custos de habitação praticamente dobraram nos sete anos desde que a UPP foi instalada e uma classe de maior renda está se mudando para lá, atraída pela vista deslumbrante e estilo de vida boêmio. Além disso, estes moradores mais recentes e de maior renda evitam vários aspectos da vida tradicional da favela, optando por não participar nas reuniões da comunidade, por exemplo. Santa Marta é uma comunidade em um processo de mudança rápida com alguns moradores sendo expulsos pelos preços de uma área onde eles viveram todas as suas vidas. Um processo semelhante está ocorrendo no Vidigal e outras favelas da Zona Sul, como descrito pelo geógrafo urbano Christopher Gaffney. Para ele, a gentrificação é um dos objetivos deliberados da política de pacificação.
Durante este período de preparações para os Jogos Rio 2016, então, não estamos vendo apenas uma das maiores campanhas de remoção em um país democrático na história, mas também uma mudança mais insidiosa na cidade, garantindo que os pobres sejam ainda mais excluídos de áreas da cidade e em alguns casos, forçando-os a deixar a cidade inteiramente. Este é o resultado de políticas que buscam incorporar terras da cidade para os empreiteiros aumentarem os seus lucros. O pouco esforço que houve para incorporar cidadãos nos processos de planejamento agora parecem simbólicos e ingênuos.
Os Jogos Olímpicos estão sendo utilizados pela Prefeitura do Rio para remover os pobres de seus centros urbanos, tanto através de remoções de comunidades como a Vila Autódromo quanto através da gentrificação de favelas como Santa Marta e Vidigal. Além disso, este desenvolvimento não é exclusivo do Rio; políticas semelhantes podem ser vistas em cidades-sede de megaeventos esportivos ao redor do mundo, que acabam expandindo as carteiras dos ricos e a exclusão dos pobres.
Referências
Lenskyj, H. (2000) Inside the Olympic Industry: Power, Politics, and Activism. Albany: State University of New York Press.
Lenskyj, H. (2002) The Best Olympics Ever? Social Impacts of Sydney 2000. Albany: State University of New York Press.
Rutheiser, C. (1996) Imagineering Atlanta: Making Place in the Non-Place Urban Realm. London: Verso.
Shaw, C. A. (2008) Five Ring Circus: Myths & Realities of the Olympic Games. Lancaster: New Society.
Adam Talbot é pesquisador de doutorado no Centro de Esporte, Turismo e Estudos do Lazer da Universidade de Brighton, Reino Unido. Ele está realizando um projeto etnográfico focado nos movimentos sociais e ativismo nos Jogos Olímpicos Rio 2016.
A Favela e Sua Paixão pelas Mídias Sociais: Retrospectiva de 2015 e Previsões para 2016
Quando jornalistas estrangeiros chegam ao Rio de Janeiro com vontade de registrar notícias oriundas das favelas, logo eles se veem dependendo das mídias sociais. Muitos se surpreendem ao perceber que o Brasil, em geral, e os moradores das favelas, em específico, não só adotaram as mídias sociais, mas as usam vigorosamente para compartilhar notícias sobre suas comunidades. Como reportado no ano passado, as favelas tem um número maior de usuários de internet do que o “asfalto”. A internet nas favelas é acessada principalmente através de aparelhos celulares e wi-fi gratuito. O celular é, afirma Thamyra Thâmara do coletivo GatoMÍDIA, uma ferramenta essencial para tratar das desigualdades, em especial para os jovens da favela: “Nenhum acontecimento no seu território passa despercebido pelas lentes do seu android”.
Muitas favelas contam com membros da própria comunidade para espalhar avisos de cortes no fornecimento de energia, de atividade policial ou enchentes, e também notícias sobre a inauguração de um novo restaurante, um evento, ou protestos. Do WhatsApp, tão amado pelos brasileiros que até recebeu o carinhoso apelido de “zap zap” (e para os quais parecia que o mundo havia acabado quando os seus serviços foram paralisados no Brasil inteiro por 24 horas em dezembro) ao Twitter e Facebook (ambos contam com os brasileiros como seu segundo maior grupo de usuários) e Snapchat, alguns moradores influentes têm se tornado pilares da comunidade em que vivem e conquistado fiéis seguidores. Lembrando que os jovens brasileiros são os que, mundialmente, mais passam tempo em seus celulares.
No Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, Mariluce Mariá Souza, uma artista e ativista comunitária, alcançou o número máximo de amigos permitido pelo Facebook assim que seu papel como importante fonte de notícias para a favela se tornou conhecido. Ela também administra um grupo do WhatsApp para moradores e jornalistas. Mariluce foi reconhecida por seu trabalho e teve a oportunidade de palestrar na conferência Iniciativas Educacionais e Empresariais de Apoio a Jovens em Locais de Violência, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Mariluce é um exemplo do movimento inspirador que está tomando conta do Rio, onde moradores estão se tornando os responsáveis por informar e compartilhar com a mídia local e internacional as notícias das favelas, antes ignoradas ou vistas como inacessíveis.
Retrospectiva das mídias sociais na favela em 20152015 se destacou pelos grandes avanços no papel desempenhado pelas mídias sociais de promover e compartilhar notícias populares das favelas do Rio. Jornalistas cidadãos, moradores preocupados, e grupos de ativismo há anos usam as mídias sociais para divulgar notícias do Complexo do Alemão, da Providência, do Complexo da Maré, entre outros. Entretanto, 2015 viu esse papel se intensificar tanto a ponto que as mídias sociais passaram a influenciar diretamente a mídia tradicional e internacional, extinguindo a lacuna que as separavam.
A dimensão do impacto que um cidadão comum pode causar hoje em dia na programação dos noticiários ficou evidente no caso de Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, na Providência. Numa terça-feira, dia 29 de setembro, a polícia matou Eduardo à tiros. Uma moradora da favela flagrou com uma câmera o policial plantando uma arma no corpo de Eduardo e a disparando, deixando vestígios de pólvora para incriminá-lo. O vídeo, compartilhado no Facebook logo após o incidente, rapidamente se tornou viral. Com o grande número de comentários e compartilhamentos no Twitter, em questão de horas o vídeo e sua mensagem chegaram aos noticiários nacionais e em seguida alcançaram a a mídia internacional, através da BBC e do The Telegraph. O papel crucial das mídias sociais e do uso de celulares nesse caso foi ressaltado pela reportagem do The Guardian, que declarou que somente “quando incidentes são filmados é que a justiça é feita”.
A mulher que gravou o vídeo tem recebido ameaças da polícia, e a Divisão de Homicídios da Polícia Civil ofereceu proteção a ela. Sua destemida ação gerou consequências reais no caso de Eduardo ao levar cinco policiais a serem detidos e ao proporcionar à futuras testemunhas comunitárias coragem para continuarem documentando e compartilhando incidentes em suas favelas.
Moradores da favela não só estão usando as redes sociais extensivamente, como também estão à frente quando o assunto são as novas tendências de mídia social. 2015 viu o Periscope chegar ao mercado e logo os jornalistas mais inovadores tomaram conta do aplicativo de transmissão de vídeos em tempo real. O link automático com o Twitter permite que o Periscope se insira facilmente no fluxo diário de notícias das favelas. Isso possibilita que indivíduos como Raull Santiago e outros membros do Coletivo Papo Reto, do Complexo do Alemão, usem o aplicativo para fazer entrevistas, relatos de ações policiais e comentários de noticiários.
O Coletivo Papo Reto está sempre à frente no uso de mídias sociais, técnicas de vídeo inovadoras e organização comunitária para impactar sua comunidade. Eles foram reconhecidos internacionalmente pelo trabalho usando jornalismo colaborativo e vídeos para responsabilizar a polícia por suas ações, ganhando inclusive o Prêmio Internacional de Filantropia de 2015.
Em 2015 os cidadãos cariocas intensificaram ainda mais o uso do WhatsApp ao criarem diversos grupos onde compartilham notícias em tempo real. A função de grupos do aplicativo permite que os moradores das favelas compartilhem gratuitamente notícias diretamente com outros membros da comunidade e também com uma ampla rede de apoiadores. Alguns moradores também usam o WhatsApp para se conectar com jornalistas e correspondentes locais e garantir que as notícias sejam selecionadas instantaneamente. O aplicativo é uma ferramenta tão aceita no Rio que o jornal O Dia tem usado o WhatsApp desde 2014 para receber sugestões e notícias. Em 2015 o RJTV, da Rede Globo, aderiu à ideia oferecendo à seus leitores a chance de enviar fotos e vídeos através do WhatsApp e do Viber, outro aplicativo menos usado.
Em 2015 também vimos um aumento na organização de eventos e campanhas através das mídias sociais pelo uso de hastags, incluindo a campanha e o protesto do Coletivo Papo Reto #TáTudoErrado, a campanha para financiamento coletivo do Complexo do Alemão #TodosPeloAlemão, e as campanhas da Vila Autódromo #VivaVilaAutódromo, #RioSemRemoções e o evento #OcupaVilaAutodromo. Essas hashtags efetivamente mobilizaram os moradores por suas respectivas causas, assim como trouxeram o suporte de outras favelas, de amplos movimentos da sociedade civil e da mídia local e internacional.
O que pode acontecer em 20162016 oferece um enorme potencial para mudanças no Rio. Com as Olímpidas e os Jogos Paraolímpicos se aproximando, os moradores das favelas têm uma grande oportunidade de chamar a atenção dos noticiários internacionais. Entretanto, as ameaças também aumentam, com as remoções e a violência policial se intensificando com a chegada do megaevento.
No mundo da mídia social, novos aplicativos e funções serão de grande utilidade para os moradores das favelas. O Blab, um aplicativo de conversa por vídeo que permite interações em tempo real em grupos de até quatro pessoas, poderá ser uma ferramenta interessante para mobilizadores locais das favelas. Em 2015 vimos vários exemplos de comunidades dando suporte umas as outras nas redes sociais através de compartilhamento e eventos de debates. Tal aplicativo poderá permitir que diferentes comunidades que compartilhem das mesmas preocupações trabalhem juntas e publiquem vídeos coletivos nas mídias sociais. Em geral, a transmissão de vídeos ao vivo apenas aumentará e terá sua qualidade aperfeiçoada em 2016. Isto é algo que tem se tornado tão comum que o o Facebook começou a testar no início de dezembro sua própria ferramenta de transmissão de vídeo em tempo real.
O uso de celulares para filmar e documentar incidentes, especialmente casos de violência policial e remoções, foi reconhecido internacionalmente como um importante movimento em 2015 e continuará a crescer em 2016. Uma iniciativa entre o Witness, Coletivo Papo Reto e importantes programadores de Nova Iorque espera lançar um novo aplicativo ainda este ano, o CameraV. O aplicativo está disponível na versão beta para testes e tem como objetivo possibilitar que usuários filmem qualquer incidente de forma segura. O aplicativo irá embutir um sensor de dados do smartphone nos pixels da imagem ou vídeo capturado, proporcionando novos padrões de prova e autenticação. Isso poderá significar o fortalecimento do uso de filmes gravados por cidadãos como evidência em procedimentos criminais, levando testemunhas a se sentirem mais seguras ao coletar e compartilhar suas evidências em vídeo.
Ao mesmo tempo, o poder da mídia social é cada vez mais visto como uma ameaça pelo governo. No dia 17 de dezembro o WhatsApp foi bloqueado, uma interrupção inicialmente planejada para durar 48 horas mas que durou 24 horas devido a indignação a nível nacional. Essa jogada drástica por parte da Justiça parece ter sido uma resposta à recusa do aplicativo de disponibilizar dados pessoais de usuários investigados pela Polícia Federal. Em um país com 100 milhões de usuários do WhatsApp, a medida foi forte e gerou preocupações sobre a futura estabilidade das contas em mídias sociais em que muitos confiam.
Nos últimos meses, começando com o TechCrunch e mais recentemente o TIME, notícias têm circulado internacionalmente sobre o plano do Congresso Nacional de reverter algumas medidas do celebrado Marco Civil da Internet de 2014, que inclui os direitos dos usuários de internet. As mudanças propostas incluem exigir que todos os sites armazenem os dados dos usuários por até três anos e que forneçam acesso à polícia. Esse tipo de acesso “big brother” teria grandes consequências no uso de mídias sociais, no jornalismo cidadão e na posição do Brasil como líder no uso de internet. Considerando que os analistas de mídia social esperam que o WhatsApp, o YouTube e o Facebook continuem crescendo no Brasil, essa será uma grande questão para se ficar de olho em 2016, com a situação se intensificando a medida que os políticos, preocupados com a crescente reação negativa, lutam para limitar as companhias transnacionais de internet e os direitos de usuários.
Independente do que 2016 possa trazer, os moradores das favelas com certeza irão continuar usando a mídia social para notícias, para proteção e organização, e para compartilhar suas histórias com o mundo.
“O Que Podemos Fazer Contra Tropas Armadas?” Demolições Ilegais na Vila Autódromo
A Vila Autódromo, favela adjacente ao Parque Olímpico Rio 2016 que luta contra a remoção, tem estado sob intensa pressão há meses. As autoridades municipais fizeram ameaças, dizendo que os moradores “sairão com dor”, e no mês de janeiro Guardas Municipais construíram um novo muro dividindo a comunidade, isolando algumas casas do local da construção olímpica. Apesar do premiado plano de urbanização da comunidade feito por moradores e das repetidas garantias do Prefeito Eduardo Paes de que eles poderiam ficar, a prefeitura vem intensificando seus esforços para expulsar os moradores remanescentes. Na semana passada, a prefeitura obteve um mandato da imissão de posse para a remoção do prédio da Associação de Moradores, mas a ordem foi suspensa após a intervenção de defensores públicos do Rio de Janeiro.
Quinta-feira, 11 de fevereiro, a pressão aumentou novamente com a demolição inesperada de três casas localizadas atrás do prédio da Associação de Moradores. Não houve aviso prévio aos moradores, aterrorizados ao acordar às 6h da manhã, descobrindo que inúmeros ônibus cheios de tropas de choque, bombeiros e autoridades da prefeitura, incluindo o sub-prefeito da Barra de Tijuca Alex Costa, tinham entrado na comunidade com equipamentos de demolição. Eles destruíram três casas atrás da Associação de Moradores e do campo de futebol, ignorando as queixas dos moradores. A moradora e ativista comunitária, Maria da Penha, questionou: “O que podemos fazer contra tropas armadas?!”
As atitudes da prefeitura essa quinta-feira estão claramente em desacordo com as declarações do prefeito, feitas em 19 de janeiro, de que apenas uma família na Vila Autódromo ainda tinha de ser removida. Em suas declarações, em resposta a uma pergunta direta sobre o futuro da Vila Autódromo, não havia qualquer indicação de que as casas perto da Associação de Moradores ou o edifício da Associação em si teriam de ser removidos.
Estas três casas incluíam a casa de Altair Antunes Guimarães, presidente da Associação de Moradores da comunidade, que estava fora quando as demolições ocorreram. Sem Altair lá, os moradores acharam impossível parar as demolições, uma vez que eles não tinham certeza sobre a legalidade das ações da prefeitura, especificamente se as três casas estavam incluídas na ordem da Associação de Moradores que proibia demolições. Com a Guarda Municipal agora na comunidade 24 horas por dia, muitos moradores suspeitam que a prefeitura escolheu fazer essas demolições hoje pois sabiam que Altair não estaria lá para defender as construções. Outros moradores presentes não tinham certeza se eles estavam legalmente autorizados a intervir.
As casas estavam localizadas nas terras da Associação de Moradores, o que deixou muitos moradores convencidos de que o prédio da Associação em si, com a sua enorme importância simbólica, permanece na mira da Prefeitura. Os moradores não foram informados sobre a causa da remoção dessas construções. Maria da Penha acredita que as casas e o prédio da Associação estão sendo removidos porque os organizadores Olímpicos desejam criar um “lugar bonito”, sem essas “casas em terreno batido” e a “feia construção da Associação” que estão no campo de visão do que será o hotel da mídia durante as Olimpíadas.
O terreno ocupado pela Associação de Moradores toma duas parcelas de terra. A primeira parcela, que inclui a construção da Associação de Moradores e as três casas destruídas, já havia sido marcada como “protegida”, sob abrigo de um decreto oficial da prefeitura. A segunda parcela, logo na parte de trás, utilizada como horta comunitária, não tem o mesmo status de proteção. Alguns moradores sugeriram que a prefeitura pode ter acreditado que as casas foram construídas sobre a parcela não protegida, que é a justificativa que parece ter sido usada nessa rodada de demolições. Os moradores também disseram que o fato de um morador ter começado a construir no terreno antes de aceitar a indenização para deixar a comunidade foi usado como pretexto pela prefeitura para que as três casas fossem destruídas, embora nenhuma delas pertencesse a esse morador.
Este é apenas um exemplo da incerteza dos moradores a respeito da legalidade das ações da prefeitura, o que ressalta o fracasso do governo municipal em oferecer a devida informação com antecedência, não só hoje, mas ao longo das negociações com os moradores. Os moradores também foram informados de que apenas o proprietário das casas, Altair, poderia negociar com o oficial de justiça, e, como ele não estava lá, as demolições prosseguiram. Quando Altair chegou, mais tarde, ele disse que o terreno em que sua casa estava era protegido pelo decreto da prefeitura, tornando a demolição ilegal. Ele chamou o juiz que assinou a ordem de demolição de bandido, argumentando que “a justiça não existe para os pobres”. Em sua casa ele tinha “uma televisão, um frigorífico e ar condicionado”, mas agora tem “apenas a roupa do corpo” e “nenhum documento”.
Essa não é a primeira vez que Altair foi removido de sua casa. Com 14 anos, ele foi removido da Ilha Caiçaras na Lagoa, bairro próspero da Zona Sul, e se mudou para a Cidade de Deus. Ele foi transferido novamente durante a década de 1990 para abrir caminho para a construção da Linha Amarela, que liga a Zona Norte à Barra da Tijuca. Ele se tornou uma figura central na Vila Autódromo como presidente da Associação de Moradores e há muito tempo protesta contra os planos de remoção da comunidade, que remonta a tentativas anteriores para remover os moradores antes mesmo de os Jogos Olímpicos serem anunciados. Ele foi removido de sua casa na Vila Autódromo, em agosto de 2015, e se mudou para a casa atrás do prédio da Associação de Moradores, que foi destruída hoje, marcando a quarta vez em sua vida que Altair foi removido de sua casa pelas autoridades municipais do Rio. Com a casa agora destruída, ele pretende ficar na Associação de Moradores.
Um dos comentários de hoje de Altair resumiu um sentimento vindo de tantos moradores em todas as favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro: “As pessoas pensam que o Brasil é maravilhoso, mas maravilhoso para quem? Não para os pobres”.
A Seis Meses das Olimpíadas, os Ricos e Não os Pobres, São os Grandes Vencedores
Leia a matéria original por Jules Boykoff em inglês na página ‘From Brazil’ da Folha de São Paulo aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Em seis meses o maior evento esportivo do mundo terá início no Rio de Janeiro. Aqui, Jules Boykoff, autor de Power Games: A Political History of the Olympics (“Jogos de Poder: Uma História Política dos Jogos Olímpicos”), lança um olhar sobre os vencedores e perdedores para a corrida financeira, em vez do ouro Olímpico.Quando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, apareceu na sede do Comitê Organizador Rio 2016 agitando uma placa com os “Dez Mandamentos dos Jogos Rio 2016“–uma lista para o legado cheio de boas intenções sociais–em novembro, as câmeras obedientemente dispararam flashes. A placa foi um presente de Eduardo Paes, o prefeito midiático do Rio que abusa da cerveja, que fala inglês, um político bem versado na arte das sessões de fotos. Mas faltando apenas seis meses para a abertura dos Jogos, muitos desses “mandamentos” agora soam dolorosamente ocos.
Isso pode fazer de Dilma e Paes pecadores Olímpicos. Mas, com a aproximação dos Jogos, também existem verdadeiros vencedores: bem posicionados magnatas imobiliários, magnatas da construção, e talvez o próprio Paes. Enquanto isso, os moradores comuns do Rio são deixados apenas com promessas quebradas, com alguns até mesmo sendo removidos para abrir caminho para os Jogos.
Atualmente, muito poucos cariocas acreditam na campanha publicitária Olímpica. Em 2011, 63% das pessoas no Rio pensavam que megaeventos esportivos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de 2014 trariam para as cidades grandes benefícios. Até o final de 2015, apenas 27% compartilhavam a ilusão.
Tal como acontece em muitas Olimpíadas–as relações públicas induzidas, os “10 Mandamentos” são tagarelices insípidas–prometem “entregar uma cidade melhor depois dos Jogos”, seja qualquer coisa que isso significa. Mas algumas das promessas são bastante específicas, como “usar o dinheiro privado para a maioria dos custos”.
Isso é relevante porque nos últimos anos os Jogos Olímpicos têm sido desmascarados como um elefante branco fiscal, apesar dos influentes cinco anéis no Rio afirmarem em todas as oportunidades que dinheiro proveniente de impostos é responsável por menos da metade dos custos globais dos Jogos, com os interesses privados pagando o restante. O Prefeito Paes inabalavelmente repete a afirmação de que as fontes privadas estão pagando dois terços da conta dos Jogos Olímpicos no Rio.
Mas esta estatística é extremamente enganosa. Ele não considera os caminhos silenciosos que o Rio 2016 desloca os recursos públicos para mãos privadas, os grandes lucros para os empresários bem relacionados e com conexões.
Para começar, Rio 2016 traz enormes benefícios fiscais. Um estudo descobriu que as isenções fiscais Olímpicas seriam cerca de quatro vezes maiores do que as da Copa do Mundo, onde incentivos fiscais foram de quase US$250 milhões. Além disso, os bancos públicos no Brasil estão assumindo riscos de negócios especulativos para respaldar projetos olímpicos. E as autoridades locais têm usado os Jogos Olímpicos como uma cortina de fumaça para conceder valiosas terras públicas para empresários a preços de bagatelas.
Em nenhum lugar a transferência de riqueza pública para mãos privadas tem sido mais descarada do que na construção do campo de golfe Rio 2016. Os Jogos Olímpicos do Rio marcarão o retorno do golfe aos Jogos após um hiato de 112 anos. Como foi apresentado na candidatura olímpica original do Rio, a metrópole já têm dois campos de golfe de elite que organizaram grandes torneios. Um deles poderia ter sido renovado para atender aos padrões olímpicos.
Mas, em uma manobra audaciosa o Prefeito Eduardo Paes decidiu localizar o golfe mais perto do complexo olímpico na Barra da Tijuca, um bairro rico, mesmo que isso significasse avançar para dentro da Reserva Ambiental de Marapendi, lar de inúmeras espécies ameaçadas.
Ao fazê-lo, Paes joga a bola para cima, um negócio impressionante para o empresário bilionário Pasquale Mauro. Enquanto Mauro pagou a conta para o campo de golfe–entre US$20 e US$30 milhões–ele também ganha um contrato para construir 140 apartamentos de luxo em torno dele.
Enquanto o gabinete do prefeito salientou o benefício de que nenhum dinheiro público foi utilizado na construção do local, essas unidades começam em US$2 milhões, com as coberturas chegando a mais de US$6 milhões. Não é preciso ser um gênio da matemática para calcular o valor deste querido negócio de vários milhões de dólares, embrulhado para presente pela prefeitura.
Se os Jogos Olímpicos estão todos focados sobre o setor imobiliário, a exposição B é a Vila Olímpica. Construído pelo gigante da construção brasileira Carvalho Hosken, a Vila será convertida depois dos Jogos em um complexo de habitação de luxo chamado “Ilha Pura“. Mas Ilha Pura não é nem mesmo uma ilha real, geofísica. Carlos Carvalho–fundador da Carvalho Hosken e doador de campanha para o Prefeito Paes–explicou ao The Guardian que o nome na verdade se referia a uma “ilha social”, dizendo que ele queria criar “uma cidade da elite, de bom gosto… ela precisava ser moradia de nobre, não moradia de pobre“.
Mas não eram os pobres do Rio que deveriam se beneficiar com os Jogos? Um “mandamento” prometeu “Priorizar as áreas mais carentes e a população mais pobre”. Mas autoridades do Rio estão agindo como se “priorizar” significasse “dar prioridade para a remoção”.
Desde que o Comitê Olímpico Internacional concedeu os Jogos ao Rio em 2009, cerca de 77.000 cariocas foram removidos. “O número é provavelmente muito maior, uma vez que estas são as estatísticas oficiais, que tradicionalmente subestimam tudo quanto é dado em relação às favelas, e ainda mais quando se trata da remoção dos moradores,” disse Theresa Williamson, fundadora da Comunidades Catalisadoras, uma ONG baseada no Rio que monitora questões de direitos humanos em favelas.
“Sem o pretexto do prazo Olímpico, muito poucas remoções realizadas pela administração de Eduardo Paes teriam sido possíveis”, acrescentou. “Graças ao estado de exceção criado pelos Jogos, um grupo pequeno e insular de pessoas próximas ao prefeito têm vindo a tomar decisões gerais durante o período pré-olímpico”.
O escritório de Paes tem negado qualquer irregularidade. “A Prefeitura do Rio não utiliza o instrumento da remoção compulsória, ou seja, quando as famílias são retiradas à revelia dos imóveis e não são criadas condições de transição para novas moradias. Em toda e qualquer situação em que as pessoas precisam deixar suas casas, elas somente deixam seus lares com a garantia de uma nova moradia ou pagamento de indenização, seja por processos negociados de reassentamento (nas áreas informais) ou de desapropriações (nas áreas formais)”, disse em um comunicado em agosto passado.
As experiências de uma comunidade, no entanto, contam uma história bem diferente. Vila Autódromo, uma pequena favela de classe trabalhadora, na borda do Parque Olímpico, encontrou-se na frente do rolo compressor Olímpico. Como o Rio se estendeu para o oeste na década de 1990, o Prefeito Eduardo Paes, então um jovem sub-prefeito de Barra da Tijuca, alegou que o bairro estava com danos ambientais e estéticos, e exigiu a demolição. Desde então, ele liderou o ataque para expulsar cada um dos últimos moradores da Vila Autódromo. Em junho de 2015, os esforços da polícia para forçar a remoção dos moradores se tornou, até mesmo, violento.
Recentemente, a gangorra psicológica tem beirado a guerra psicológica. As autoridades cortaram a água e a eletricidade da favela. Moradores têm experimentado “remoções relâmpago“, do nada, realizadas pela Guarda Municipal. Mesmo a Tropa de Choque (tropas fortemente armadas e blindadas do Rio de Janeiro) têm desempenhado um papel, intimidando moradores e somado a construção de uma parede intrusiva que faria Donald Trump orgulhoso. Enquanto isso, do outro lado da cerca, o Rio Mais, o consórcio construtor da construção do Parque Olímpico, avança.
“A Guarda Municipal tem protegido os interesses do consórcio Rio Mais contra os interesses da população”, Larissa Lacerda, organizadora do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas no Rio de Janeiro, que tem trabalhado em estreita colaboração com os moradores da Vila Autódromo, revela para o From Brazil.
Embora a Vila Autódromo esteja sendo dizimada, algumas famílias recusam compensação financeira e estão determinadas a permanecer em suas casas. “A crueldade na Vila Autódromo tem aumentado dia a dia, com a Prefeitura fazendo tudo que pode para tornar a vida totalmente insuportável. No entanto, um grupo de moradores continua na resistência”, Larissa Lacerda explicou.
No final de novembro, participei de um festival cultural na Vila Autódromo que também foi uma manifestação de solidariedade. Um grande grupo–composto por moradores, e também um ônibus cheio de aliados da comunidade que vieram de outras partes do Rio–estava reunido no centro cultural da comunidade, para ouvir música, partilhar informação, comida e diversão.
Mas, mesmo em meio à alegria, a frustração latente borbulhava. Ao longo da Vila Autódromo, lemas e frases–fotos publicadas aqui–foram escritos em tinta spray nas paredes de pé de casas demolidas e no muro branco que separa a comunidade da zona olímpica.
Trilhar através dos escombros nos proporciona a valorização da garra e da criatividade da comunidade em face à ameaça. Alguém escreveu “Paes Sem Amor” na parede que separa a comunidade da zona de construção Olímpica: um jogo com a frase “Paz e Amor”. Um outro mirou um determinado barão da construção com propensão para a estratificação social: “Carlos Carvalho, Não Somos Pobre / Você Sim é Pobre”.
A frase predominante em torno da favela era “Lava Jato Olímpico”, uma referência ao escândalo de corrupção generalizada que tem apertado a garganta da classe política do Brasil. O fiasco, muito compreensivelmente, devorou a atenção coletiva da mídia. Um efeito colateral é que a Operação Lava Jato tem desviado a atenção dos Jogos Olímpicos, acumulando todas as suas deficiências.
De certa forma, o golpe duplo da crise política e econômica tem sido uma bênção para os organizadores Olímpicos, permitindo que os seus contratempos logísticos voem abaixo do radar público. Mas à medida que os Jogos se aproximam, mais pessoas estão indicando o fato gritante que bilhões estão sendo gastos nas Olimpíadas, ao mesmo tempo que os serviços sociais no Rio estão sendo cortados. A despesa pública revela prioridades e valores. Com os Jogos Olímpicos no Rio, não é difícil ver quem está sendo priorizado e valorizado e quem não está.
“Favelas não são sempre um problema. Favelas às vezes podem, realmente ser uma solução, se você lidar com elas, se você colocar políticas públicas dentro das favelas”, explicou o Prefeito Eduardo Paes em seu Ted Talk em 2012. Uma tal “política pública” era o Morar Carioca, um programa ambicioso de urbanização das favelas concebido para trazer a infraestrutura básica, como estradas pavimentadas, sistemas de esgoto e melhores redes de eletricidade.
Em 2010, Paes disse que, graças a “inspiração dos Jogos Olímpicos” o programa Morar Carioca seria um legado duradouro do Rio 2016. Mas em 2014, o programa estagnou e Eduardo Paes fez uma inversão da marcha política, afirmando que o Morar Carioca não tinha absolutamente nada a ver com o legado olímpico. O espírito de colaboração original do programa desapareceu, mas ainda hoje o rótulo Morar Carioca é ocasionalmente apregoado e fixado à projetos de obras públicas.
Se a Rio 2016 acontecer sem problemas, Eduardo Paes pode ser capaz de usar a sua plataforma como chefão dos cinco anéis para catapultar um cargo público maior. Eduardo Cunha, o Presidente da Câmara dos Deputados assolado por escândalos que está sendo, atualmente, investigado por ter milhões de dólares supostamente gastos com contas bancárias na Suíça, ungiu Eduardo Paes como seu candidato favorito para a eleição presidencial em 2018.
Os Jogos Olímpicos inevitavelmente destaca ganhadores e perdedores na pista, na piscina e no velódromo. Mas luminares dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 prometeram fazer dos cariocas comuns em vencedores também. “Deixar um legado a população em toda cidade”, ruídos de um dos mandamentos. Com os Jogos há apenas seis meses de distância, este alarde esperançoso se configura a uma cruel ficção.
Introdução à Crise da Água do Rio: Contexto Crítico Sobre Água, Esgoto e Educação Ambiental
No dia 2 de fevereiro, especialistas, ativistas e cidadãos interessados no tema se reuniram no Encontro das Águas para discutir a crise de água no Rio de Janeiro. Organizado pelo grupo Se A Cidade Fosse Nossa no histórico Largo de São Francisco da Prainha, na região do Porto, o evento começou, à tarde, com uma oficina de coleta da água da chuva liderada pelo grupo Águas de Março, seguido por uma mesa redonda entre especialistas técnicos e cidadãos preocupados com a condição da água do Rio de Janeiro e à noite terminou com a o bloco carnavalesco Bloco das Águas. O evento também contou com uma exposição de fotografias da Daniela Fichino da ONG Justiça Global sobre o catastrófico rompimento da barragem de rejeitos tóxicos em Mariana.
O Águas de Março é um coletivo focado em divulgar e implementar tecnologias de captação de água de chuva de baixo custo. Na terça-feira, 2 de fevereiro, representantes realizaram uma oficina interativa onde demonstraram sua tecnologia e alguns dos 25 participantes desse segmento colocaram a mão na massa para construir um protótipo de coletor de água de chuva.
Depois, três especialistas participaram de um painel interativo para aproximadamente 35 pessoas. A pesquisadora ambiental Flávia Braga Vieira, o engenheiro sanitário Stelberto Soares, o qual também trabalhou para a CEDAE, e o pesquisador de educação ambiental Júlio Vitor deram pequenas palestras, onde oito membros da comunidade responderam, e os técnicos deram respostas e observações finais.
As águas do Estado do RioFlávia Brava Vieira começou a discussão com uma chamada para acabar com a mercantilização e monetização e um chamado para denunciar o consumo industrial de recursos hídricos. Ela afirmou que as desigualdades na distribuição de água são uma preocupação mais política do que uma preocupação ambiental. Ela contextualizou a crise de água do Rio, dizendo que embora a escassez de água tenha chamado a atenção dos cariocas apenas no último ano, existe um problema de água a muito mais tempo.
Flávia continuou explicando que, historicamente, a água era usada individualmente, cada família buscava sua própria água. Desde a industrialização, a água passou pelo processo de mercantilização e privatização, e tornou-se o “ouro azul, lotado de valor econômico”, com aumentos de preços devido a mudança econômica de oferta e demanda causada por secas. Todos que usam água tratada devem pagar por isso ou correm o risco de ter o acesso à água cortado, e há alguns que não podem pagar o preço da água, apesar do acesso à água ser um direito humano básico.
Desde que alguns moradores do Rio que podem pagar os preços mais elevados da água privatizada começaram a enfrentar escassez de água pela primeira vez devido às condições meteorológicas, a consciência pública do problema vem crescendo, incluindo o reconhecimento de que algumas áreas nunca receberam acesso à água, mesmo em tempos sem seca, citando algumas regiões da Baixada Fluminense. A corrente “crise” é apenas para pessoas que utilizam água privatizada. Para aqueles que ainda fazem o uso da água cuja fonte é artesanal e acessada individualmente, o acesso à água tem sido sempre irregular. Por isso, Flávia disse que a distribuição de água não é um problema ambiental, mas socioeconômico: quaisquer soluções técnicas são benéficas apenas no curto prazo; problemas de longo prazo com a água só podem ser resolvidos politicamente.
Ela observou o uso industrial da água e as suas ineficiências: “A CEDAE perde cerca de 40% na entrada da água. Além disso, embora a indústria perca uma grande quantidade na entrada de água, eles pagam menos do que os indivíduos que usam apenas uma fração do que a indústria usa. Desligar a torneira enquanto escova os dentes ou tomar banhos curtos é parte da solução, mas abordar ineficiências em larga escala é o mais benéfico para a sociedade”.
Estado do Saneamento no Rio
Stelberto Soares abordou alguns aspectos técnicos que contribuem para a crise de água e do saneamento na cidade. Ele começou com a estatística de que das 86 áreas de tratamento de água na Barra de Tijuca, apenas seis funcionam corretamente. Historicamente, os centros de tratamento da CEDAE tiveram uma perda de 70% na sua entrada, mas hoje esse número diminuiu para cerca de 30-37%, disse ele.
Stelberto explicou que a fonte da água da cidade do Rio de Janeiro é o Paraíba do Sul, o maior rio no estado do Rio e do estado de Minas Gerais, cujas águas são levadas através de um sistema de túneis. 40% da água no Rio de Janeiro é tratada na estação de tratamento do Guandu, a maior estação de tratamento de água do mundo. No entanto, o Guandu está perdendo água doce devido à contaminação pela água do mar em um ciclo de realimentação causado pela escassez de água. A CEDAE não pode retirar tanta água do Paraíba do Sul, então menos água doce acaba sendo ejetada na Baía de Guanabara pelo Guandu, e com isso a água do mar invade mais facilmente a estação.
Em seguida, Stelberto explicou que a água pode ser contaminada a cada passo do processo da fonte para a torneira. O sistemas de túneis, tanque de armazenamento, e o filtro são todos possíveis fontes de contaminação.
Stelberto compartilhou uma estatística alarmante sobre o tratamento de água na cidade: o Rio de Janeiro coleta 56% do seu esgoto, 86% dos quais é tratado oficialmente. No entanto, “86%” incorpora todos os centros de tratamento oficiais, funcionando ou não. Só na Barra da Tijuca apenas seis áreas de tratamento realmente funcionam e as 80 restantes são contadas oficialmente, o que significa que o percentual de esgoto tratado no Rio é radicalmente inferior.
Além disso, a estratégia da prefeitura de tratamento de rios poluídos erra o alvo, diz Stelberto. Quando um rio é contaminado com esgoto de casas que não estão ligadas a uma planta oficial de tratamento, tudo eventualmente deságua no mar. Para resolver isso, a prefeitura construiu várias estações de tratamento de esgoto na foz dos rios. Stelberto recomenda atualizar a infraestrutura de modo que o esgoto nunca chegaria para dentro do rio em primeiro lugar. Em teoria, a prefeitura tem a capacidade e responsabilidade de fornecer 200 litros por habitante por dia, o que não acontece para algumas comunidades.
Educação Ambiental CríticaJúlio Vitor falou em seguida sobre os diferentes tipos de educação ambiental, afirmando que a educação ambiental “crítica” pode tratar de questões de forma mais eficaz, pedindo repetidamente que alguns moradores de favelas que têm excelentes conhecimentos de primeira mão da gestão da água fossem convidados para o painel da água.
O tipo clássico de educação ambiental é a educação “conservacionista”, que Júlio jocosamente refere como “quem abraçam árvores”. Os alunos são ensinados que áreas desabitadas devem ser preservadas. Júlio citou um de seus professores, que critica as ONGs que operam sob pensamento conservacionista, que entram em favelas ensinando os moradores como reduzir o uso da água, mesmo que essas comunidades possam não ter acesso confiável a uma fonte de água, efetivamente dizendo às pessoas sem água que eles têm a responsabilidade de usar menos ainda.
O próximo tipo de educação ambiental que Júlio mencionou foi a educação “pragmatista”, fazendo com que os sistemas ecológicos fiquem mais eficientes para aumentar a sua produção.
O último tipo principal que discutimos foi a educação ambiental “crítica”, que tem um foco ecológico e social. Por exemplo, respondendo à pergunta “por que algumas pessoas têm água e outros não?” Alguém com um fundo de educação ambiental crítica diria que a questão não é uma questão técnica. A maneira como a sociedade olha atualmente para a crise da água é errada, ele disse, e concordou com o argumento da Flávia que o uso industrial de água é mais um problema do que até mesmo o uso pessoal pesado.
Júlio falou sobre a comunidade do Morro da Formiga, a favela onde sua pesquisa é baseada, e a usou como um exemplo de excelente gestão comunitária da água. Para lidar com a falta do acesso à água municipal, eles construíram sua própria infraestrutura de água e a gestão é feita com várias sociedades de água que se reúnem semanalmente. Eles têm uma forte educação ambiental baseada na comunidade, com especialistas locais como Seu Francisco, chefe de uma das sociedades de água, e Amadeu Palmares da Silveira que aprenderam com anos de experiência prática. Júlio os chamou para o próximo painel que incluirá moradores de favelas especialistas em água.
Júlio passou a explicar que algumas favelas da Zona Oeste sentem que sua água está sendo tomada e desviada para a Barra da Tijuca e reconhecem a injustiça. Eles trabalham em bairros como a Barra onde vêem casas com piscinas, mas eles são criticados por desmatamento e por pegar água da floresta para satisfazer suas necessidades básicas, disse Júlio. Para resolver estas questões, o aspecto da justiça ambiental da escassez de água e saneamento devem ser abordadas.
Neste momento, o sol se pôs e um grupo de cerca de 50 pessoas se reuniram para ouvir a ampla gama de respostas da comunidade. Um orador apelou para grupos políticos ativistas para colaborarem e lutarem por uma solução. Outro orador propôs uma resposta da comunidade mais delicada, afirmando alegremente que “a água não tem problema nenhum, o problema com a água somos nós”. Uma oradora digna de nota foi Julieta, uma jovem que expressou sua infelicidade ao ver uma cachoeira poluída nas suas férias com a família.
Os palestrantes deram suas considerações finais abordando as respostas do público, e o evento se transformou em um bloco de carnaval com uma banda tocando ao vivo, encerrando o primeiro de uma série de eventos do Se a Cidade Fosse Nossa relacionados ao meio ambiente.
Comitê Popular Lança Vídeo em Resposta ao Ataque do Prefeito
Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas acaba de lançar um vídeo respondendo ao comentário do Prefeito Eduardo Paes de que seus dossiês são propensos a “dramatização com exagero” e “fraudulentos”. Os comentários de Paes foram feitos durante uma reunião fechada do OsteRio há duas semanas, ao ser perguntado sobre o futuro da Vila Autódromo e seus moradores. O vídeo apresenta os membros do Comitê explicando o seu trabalho “porque, ao contrário do prefeito, nós não temos nada a esconder”. Eles acabam com cada integrante repetindo a afirmação “Não temos nada a esconder”.
Em 2012, o Comitê Popular começou a publicar dossiês detalhados documentando abusos de direitos humanos no período antecedendo os dois megaeventos do Rio, depois que ficou aparente que informação pública confiável era de difícil acesso. No vídeo, os membros do comitê descrevem os integrantes do grupo como provenientes de todas as facetas da sociedade civil do Rio de Janeiro, incluindo universidades, movimentos sociais, organizações de direitos humanos e, mais importante, as pessoas diretamente afetadas pelas Olimpíadas e Copa do Mundo. Eles afirmam que o seu trabalho envolve um número de pesquisadores e especialistas de renome nacional e internacional num esforço coletivo.
O vídeo do Comitê desqualifica os comentários do prefeito e afirma que “a prefeitura disponibiliza contratos parciais, omite gastos, e esconde e disfarça valores,” e que “é preciso que se fale abertamente sobre gastos…e impactos sociais e ambientais”. Os membros pedem ao público que exigem melhor acesso à informação e “transparência de verdade” para as questões que afetam o interesse público.
“Nós moradores da Vila Autódromo, junto com o Comitê Popular, continuaremos na luta por uma cidade justa, transparente, e verdadeiramente democrática”, diz Maria da Penha da Vila Autódromo.
Leia sobre o dossiê mais recente do Comitê. Acesse ao documento completo aqui.
Assista ao vídeo:Mídias Comunitárias Lutam pela Democratização da Comunicação
A mídia tradicional que obtém a maior audiência em todos os meios de comunicação, se difere da forma democrática de comunicar, pois está comprometida com os interesses de grandes empresas. Os propósitos social, moral e histórico são outros. Os interesses políticos sobressaem quando envolvidos em concessão pública de rádio e tv no país, o que dificulta a efetiva democracia dentro da necessidade em fazer comunicação alternativa e, torna-la a segunda opção para os não adeptos às grandes emissoras.
A comunicação comunitária acontece atualmente em redes sociais, portais de notícias, jornais impressos, cursos populares, rádios comunitárias legalizadas ou não, rádio web e em debates, sobre diversos temas. Essas e outras formas de serviço público, compartilhamento de informação e formação política ocorrem de maneira horizontal. Seja por inciativa do morador, coletivos, organizações ou instituições locais.
Ao perceber a acessibilidade tecnológica, qualquer cidadão com determinada tecnologia passa a não só receber informação, mas produzi-la e compartilhá-la. O comunicador do Portal Viva Rocinha Michel Silva, 20 anos, é um exemplo de morador que sente necessidade em aprender com o jornalismo comunitário e de resolver problemas escrevendo. “O conteúdo das mídias comunitárias é um importante instrumento de documentação local. O morador fica sabendo sobre obras, projetos sociais e histórias”, afirma ele. Esse jornalismo possui desafios, principalmente “A falta de financiamento (que) é a maior dificuldade, além da ausência de respostas de órgãos do governo,” conclui.
A importância da democratização é relacionada a liberdade de expressão e ao direito que todo cidadão tem de consumir, produzir e compartilhar informação. Mas não há interesse público. Segundo a pesquisa Direito à Comunicação e Justiça Racial, atualmente não há no Brasil política pública ou programas de fomento destinados especificamente ao estímulo da comunicação alternativa. Como pode ser visto, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM) concentra 70% do dinheiro em publicidade do governo federal em apenas dez veículos de comunicação.
O jornalista argentino Nacho Lemus, 31 anos, mora no Rio de Janeiro e contou como o assunto é tratado lá fora. “Para a grande mídia mundial, pobre no Brasil é objeto de consumo: O tratamento é cínico, a favela é o que foi a selva amazônica faz décadas, para aqueles que comerciam a informação. A população é envolvida no show da violência, narcotráfico e consumo de drogas, isso desperta o olho da mídia internacional para denunciar as desigualdades sociais”, afirma Nacho que passou a entender melhor como a comunicação comunitária é feita ao se aproximar desses meios, em territórios como o Complexo da Maré.
Um movimento social que luta para mobilizar todos os envolvimentos com comunicação no país é o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Há 20 anos lutam através de campanhas nacionais, como a reforma da Lei de Imprensa e a criação do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.
Neste ano de Olimpíadas no Rio de Janeiro, a mídia alternativa já está alerta para acontecimentos envolvendo as favelas, espaços mais preocupantes para as autoridades, assim como veículos tradicionais que buscam cada vez mais moradores para opinar sobre promessas e projetos. O espírito olímpico não chegou. Mas a necessidade de comunicar com nossas palavras o que realmente acontece, permanece ano após ano.
A correspondente comunitária Thaís Cavalcante tem 21 anos, e foi nascida e criada na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. Ao atuar como comunicadora comunitária há 4 anos em sua comunidade, decidiu cursar jornalismo na universidade e acredita no poder da informação para mudar para melhor sua realidade.
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