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MorganaMutSazOutono2010

por morgana gomes em maio de 2010

a performance como um complexo de existência  ou  sobre a metonímia do sujeito

 

Há uma ruptura não muito nova, mas talvez ainda pouco compreendida ou aceita, dos paradigmas modernos do pensamento e da estética. Esta ruptura fora anunciada nas manifestações artísticas do início do século XX, de um modo violento e incômodo, desafiando a moral da época, numa tentativa de destituir os significados convencionais das obras de arte. Estes acontecimentos já não eram inteligíveis, passíveis de interpretação, a vingança do intelecto. A arte contemporânea não deseja ser domada.

Não parece fácil, ainda hoje, o exercício de uma arte experimental, apesar dos gêneros já catalogados pela história da arte. Embora haja uma fragmentação imanente ao cotidiano dos indivíduos nos tempos atuais, em seus hábitos e valores, bem como das esferas públicas em que atuam, parece haver remanescências de uma defesa árdua em prol da forma, dos sistemas, da representação. Estes vestígios agem como fantasmas temerosos de uma outra época.

É preciso renunciar de uma vez por todas aos manuais solicitados, aos entes representativos, às hierarquias justificadas, aos egos obstinados, aos espetáculos já ensaiados, à impotência como regra. E será necessário ainda a explosão de muitos manifestos a respeito, embora se presuma que a essência de um devir não habita em seu argumento.

A aplicação plena da abertura do processo criativo encontra-se no universo eletrônico. A evolução dos sistemas computacionais só se faz possível a partir da construção de um conhecimento coletivo, uma inteligência compartilhada. Apenas aí o sujeito admitiu a sua multiplicidade.

As linguagens artísticas experimentam a desconstrução pós-estruturalista, ainda que esta não seja a prática mais recomendada pela estética hegemônica. Há ainda uma noção de obra sustentada pela mídia, pelos críticos, pelos artistas e pelo público, que tende a marginalizar as experiências dissidentes.

No âmbito das artes visuais e cênicas, a matriz performativa explora o desejo de ação, de presença, de realidade e desaparição. É fortuita a sua força e imprevisível a sua direção. O novo jogo estabelecido toma o outro para si. E é neste entre que a obra acontece. O grande trunfo descansa na simplicidade da vida cotidiana, em gestos sugeridos, onde a sutilidade é um elemento discreto, e questionável.

A experiência da performance caminha até o limite do(s) corpo(s) que a sustenta(m). Os expectadores necessariamente fazem parte desta busca, de modo que assim participam da sua execução. É muito tênue a linha entre um desempenho alegre e o seu fracasso. É neste sentido que a performance encerra uma questão ética, resolvida no momento em que acontece.

O que torna a performance singular em sua essência, é a capacidade que ela tem de reunir uma mesma proposição estética, filosófica e política. Há um complexo de existência embutido em sua manifestação, e não sem razão ela aproxima entidades outrora contrapostas, como o eu e o outro, o sujeito e o objeto, o ator e o expectador, a vida e a morte. Trata-se de um percurso difícil, que exige uma boa dose de autonomia e resistência. O performer ocupa sempre um lugar de risco, e ele escolhe este lugar. Não haveria de ser pouco o ônus de uma liberdade.

A impossibilidade de registro a torna furtiva em sua natureza. Seria a traição de sua ontologia. Embora seja possível também na escritura uma possibilidade performativa, a literatura como manifestação em si, atos de fala auto-afirmativos, nervosos, donos de seus próprios sentidos, como a palavra soprada nas obra de Artaud. Pura metonímia do existir.

Há um desafio estético a perseguir, pois não são poucas as instituições que operam o corpus social, muitas vezes invisíveis a olhos distraídos, uma teia microfísica e perigosa. Mas não há nada de ingênuo nesta tentativa.

 

REFERÊNCIAS:

 

PHELAN, PEGGY. A ontologia da performance: representação sem reprodução. In: Revista de Comunicação e Linguagens, nº 24. Lisboa. Edição Cosmos, 1997.

PHELAN, PEGGY.On seeing the invisible: Marina Abramovic's the house witch the ocean view. In Performance live art since the 60's. Thames & Hudson, London, 1998 and 2004.

GOLDBERG ROSELEE. Performance live art since the 60's. Thames & Hudson, London, 1998 and 2004.

____________. A arte da performance: do futurismo ao presente. São Paulo. Martins Fontes, 2006.

DERRIDA, Jacques. Palavra Soprada e O teatro da Crueldade e o fechamento da representação, in A escritura e a diferença. Ed. Perspectiva S. A. São Paulo, 1995.

ENSEMBLE, Critical Art. O teatro Recombinante e a matriz performativa, in Distúrbio eletrônico. Ed. Conrad. São Paulo, 2001.

POLLOK, Della. Five: Performing writing, in:

SONTAG SUSAN. Contra a interpretação, in: