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Apocalípticos, integrados e... hackers
De Paulo Bicarato, 31/03/2006
Umberto Eco deve, certamente, rever hoje seus conceitos de *apocalípticos e integrados*. Diante das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, resumir as gentes que fazem e consomem informação e comunicação nestas duas classificações ficou completamente sem sentido.
Não existem mais as figuras do emissor e do receptor. Mesclaram-se, e mesclaram junto a própria mensagem. Somos, hoje, *a* mensagem, cada um um potencial gerador / difusor de informações e conhecimento –não somos, nem de longe, apocalípticos ou integrados.
Eco forjou estes conceitos, naturalmente, sob ou a partir de uma cultura típica do século XX: a industrialização, com sua produção massificada e absolutamente mercantilizada, em que toda e qualquer pessoa não passa de mera consumidora --quando muito, produtora, mas sem acesso ao domínio da produção: uma simples ferramenta que podia ser sumariamente descartada se apresentasse algum defeito ou não gerasse os resultados pretendidos.
Resgata-se, agora, outra forma de produção não mediada unicamente pelo *valor de mercado* ou pela *mais valia*. O lucro, em si, deixou de ser o leitmotiv das novas comunidades, que ganharam uma característica ainda mal interpretada e conceituada: a des-hierarquização dos processos, a horizontalidade das *organizações*, a ausência de líderes, a emergência de projetos totalmente colaborativos –baseada antes na reputação de seus integrantes do que na *valoração* mercantilista de cada um.
Toda essa anarquia, no sentido mais puro do termo, replica-se e se esporifica progressivamente –ninguém ousa apostar aonde chegará.
Mas o fato é que temos a honra de participar de um momento único na história: desprezamos os processos que *notabilizaram* o século XX (Charles *Carlitos* Chaplin, acredito, adoraria participar dessa revolução), reavivamos o aspecto lúdico e prazeroso da construção coletiva do conhecimento, redescobrimos o poder de vez e voz de cada anônimo, de cada ser pensante que deseje se expressar, resgatamos, enfim e contraditoriamente, com o uso das novas tecnologias, a *tecnologia* básica que sempre moveu o mundo: nossa humanidade, e nossa potencialidade de nos expressarmos, nos comunicarmos, nos relacionarmos, nos amarmos...
Esse espírito hacker, muito antes de meros geeks/nerds enfurnados em suas máquinas, inclui um potencial fantástico de transformação social. O poder de desalienar-se e agir contra a elitização do conhecimento, contra o monopólio e a capitalização da informação, está ao alcance de todos. Projetos emergentes pipocam aqui e ali, totalmente descentralizados e colaborativos, na mais pura expressão open source –em alguns casos, os próprios protagonistas acabam por se surpreender com a repercussão e o crescimento do projeto, que ganha vida própria.
Seriam inúmeros os casos, mas fiquemos com um, pela proximidade: a MetaReciclagem, nascida numa lista de discussão entre meia-dúzia de românticos pensadores, engenheiros poetas, hackers de carteirinha e simples abnegados, tornou-se referência e ganhou a simpatia e a adesão de inúmeros anônimos, ignorando fronteiras.
Toda essa subversão anárquica tem um fundamento essecial: a colaboração entre os participantes, o espírito fraternal e coletivo. Para completar, todo o processo é permeado por um ludicismo que só faz crescer o engajamento de cada um com todos: o prazer do compartilhamento do conhecimento. Ou, como diria Guimarães Rosa, nas palavras de Riobaldo Tatarana, *vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada*.
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