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MutiraoHeroiCultural


Felipe Fonseca em Setembro de 2005
Metareciclagem é bruxaria trazida para o povo. É uma cabala do fazer, um fogo divino, arrancado dos deuses-indústria e entregue ao povo antes submetido. É coisa de heróis culturais, e vai além… é uma fábrica de novos heróis culturais.

http://blogs.metareciclagem.org/fff/?p=1387

Grande broda Daniel Duende mandou na lista metarecicleira:

Uma das ações mais importantes de se ter em mente quando se fala de “ruptura paradigmática” e mudança do modo de fazer é a recuperação do “sentimento de criador”. No contexto em que vivemos, bombardeados pela influência da sociedade industrial mega-corporativa na nossa cultura (e em nossa mitologia), é natural pensar que somos muito pouco capazes de FAZER coisas, MODIFICÁ-LAS a nosso modo. É senso comum entre a maioria que a informação que vem de cima é mais forte e certa e que a indústria tem um poder de fazer que anula completamente o nosso.

Isso vai contra o pensar da maioria de nós, ou ao menos do pensar do “nós” que eu conheço desta lista. Nós acreditamos que podemos FAZER coisas, acreditamos que podemos MODIFICÁ-LAS, acreditamos na nossa importância e nos imbuímos de responsabilidade pelo mundo em que vivemos. Reciclando tecnologia, agindo contra o movimento de afastamento entre a sociedade incluída e a excluída, recuperando o senso de protagonismo e de relevância das pessoas…
Bem entendido, este é o papel de um “herói cultural”.

Muitos autores transformam o “herói cultural”, o elemento meio pessoa meio lenda que age dentro de uma cultura, modificando-a, em algo distante de nossa realidade. Por vezes dão a impressão de que isso é algo que existe e faz sentido apenas em culturas “primitivas” ou então articuladas, elaboradas desde sua base até as mais capilares manifestações, de um modo muito diferente da nossa. Acredito que isso não poderia estar mais longe da verdade. Mesmo a cultura industrial/informacional é revestida a seu modo em uma malha mítica. Dentro de seu conceito os shamans, os criadores e mantenedores e modificadores dos mitos não são mais as pessoas em geral e sim os “caciques midiáticos”, comprometidos com seus próprios deuses-demônios de poder, influência e dinheiro (que são, sempre foram também, pessoas). Mesmo assim ainda há mitos, e ainda são os mitos que moldam nosso pensar sobre o mundo. Contra esta força verticalizada, esta dominação mítica, existem os nossos heróis culturais contemporâneos. Pessoas que investem-se do papel de lutar contra um inimigo ora físico ora metafórico (mas de qualquer forma revestido de importância mítica) em prol de seu povo, de seus ideais e de seu modo de vida. Vendo a coisa desta forma a metareciclagem ganha contornos míticos e seus participantes, colaboradores (guerreiros) são investidos de um papel de heróis culturais. Iniciativas como o metareciclagem são matéria de mito, como é matéria de mito a instituição da cultura do milho entre os povos mezoamericanos e a escrita entre os povos do oriente médio. Quando a briga é cultural, é de modo de fazer e pensar, é uma briga que envolve heróis culturais.

Visto por este ângulo, o trabalho do metarec ganha mais uma dimensão, e é uma dimensão também muito bonita. É importante ter isso em mente quando se trabalha com mudança de paradigma. Se a iniciativa visa lidar com cultura, com modo de pensar, é importante se pensar miticamente. Quando se escreve a história do metareciclagem, tenham em mente que estão escrevendo uma lenda. Quando se estrutura a forma de pensar, fazer e multiplicar a ação metarecicleira, está se tecendo uma construção sensível e prática que se assemelha à iniciação dos shamans e guerreiros-sagrados de outrora. Algo que leva a pessoa além de sua vivência comum, apresenta a ela visões e dimensões que estão além daquilo que está em seus cotidianos, apresenta a ela conhecimentos novos, quase esotéricos, e tudo isso se transforma em um poder e uma percepção do próprio poder que é completamente nova para para a pessoa. E então ela é instada pelo grupo a colocar em prática este conhecimento…

Estas idéias não estão prontas, e talvez possam soar para a maioria como uma grande viagem, mas é o modo como posso contribuir para tudo isso que está acontecendo. Sou um contista, um fabulista, um vivedor e escrevedor de histórias e meu universo é o universo do mito vivo. O pensamento mitológico, mesmo ainda tão vivo, é por vezes tido como antiquado, assim como as máquinas velhas. Se o metarec é um movimento de reciclar aquilo que parece não ser mais usável e descobrir para ele um uso maravilhoso, aí está algo para vocês reciclarem.

O metarec é também uma causa cultural, busca mudar a cultura (e a percepção das pessoas sobre seu mundo). É uma coisa de heróis culturais e lendas, com seus próprios Prometeus roubando o fogo dos deuses e dando ao povo e seus próprios shamans caminhantes que levam de tribo em tribo o conhecimento desta pajelança…

Estão todos prontos para se reciclarem como heróis culturais?