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Proposta do Documentário

A proposta é compor relatos audiovisuais que ilustrem a possibilidade da transformação:  do fetichismo comercial tecnológico para o fetichismo pelo código aberto, pelo conhecimento livre, associando afetividade, desejo, compulsividade, fuga e os ciclos do acúmulo-despacho. Um documentário-ensaio com misturas rítmicas: ora com aspectos ficcionais, falsos, provocativos, ora, realista, com propostas cotidianas. Mesclar localidades e a importância das coisas descartadas ou em uso, por meio de projeções irônicas, como por exemplo: projetar o lixo midiático na fachada da casa das pessoas, ou projetar campanhas publicitárias de aparatos tecnológico para o vazio em um lugar ermo, na floresta, no meio rural e também no espaço urbano. Trazer um tempo antigo para imagem voraz, que  devora.

Algumas intervenções urbanas performáticas  irão compor a linguagem videográfica da proposta, por exemplo: "marretar" equipamentos considerados obsoletos em locais públicos de grande circulação; instalar uma barraquinha simples, como as dos vendedores ambulantes, simulando vendas e trocas  de  itens sem valor comercial na região central da capital Paulista. Usaremos uma linguagem remixada, uma proposta cenográfica e artística "artesanal", utilizando-se de recursos orgânicos em meio ao processo tecnológico audiovisual. Como referências, citamos alguns filmes e documentários: "Surplus", "A História das Coisas," "2001, uma Odisséia no Espaço", "Estamira", a Trilogia "Qatsi", "Vanilla Sky (Abra los Ojos),"Corra Lola, Corra", e "Ilha das Flores", títulos que, a despeito da diversidade de propostas e enredos, abordam pontos pertinentes que abordaremos. Alguns deles encontram-se disponíveis na web e sob a licença "copy letf", ratificando a proposta de "abrir a caixa preta", de trazer à tona informações reflexivas.
 
O documentário parte do princípio que todos nós habitantes da hiperrealidade, somos catadores de algo, sobreviventes das sobras do processo industrial. Pretende-se questionar as diferenças  entre a realidade e a ficção, entre passado e presente - inclusive a existência ou não. de tais diferenças Usando uma visão crítica e cíclica do tempo, não linear, baseada nas cosmologias ameríndias do povo Guarani M'byá, presente nos estados do Espirito Santo, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins, Argentina e Paraguai.

Os Guarani M'byá dividem suas atividades ritualística e de subsistência em ciclos definidos por dois tempos, que equivalem a duas estações, arapyau e arayma, estágios de um sistema mais abrangente que envolve organização social e princípios simbólicos. Significações edificadas na dinâmica temporal de renovação dos ciclos, e não na quantidade e disponibilidade de alimento para consumo.

Pretende-se delinear, paralelamente, alguns tempos: de origem, de produção, da abundância, da ilusão, do desperdício, da catação, da criação. O Tempo como produto de uma sociedade frenética pelo consumo, por estilos de vidas, por tendências compráveis,  por buscas espirituais. Explicitando uma perspectiva cíclica das coisas: o tempo de rituais ancestrais antropofágicos imerso em um cenário de aparentes novidades tecnológicas, oferecidas por imagens iconofágicas, que seduzem e enveredam para o universo do acúmulo.

Neste contexto, surge uma outra temporalidade continuada, a da existência de todas as coisas, que envolve processos: a extração dos recursos naturais (coleta e separação); a transformação por corte, o aquecimento, a depuração, o acabamento; o trabalho para transformação no produto, ou seja, a mais-valia; o desejo-consumo-uso-desvalorização, e portanto a menos-valia; o descarte-despacho, que engloba o porquê, como, e onde; os processos de reciclagem; o novo recurso, seja ele artificial ou natural.Os catadores dos materiais descartáveis (ou descartados), que garimpam em meio as coisas despachadas pelas pessoas, chamam de catação a sua atividade de coletar.  Um modo de ser orgânico, e algumas vezes invisível, no mundo artificial mórbido de outros seres que comodamente querem sempre mais: despachar mais, consumir mais. Um tempo de deuses insanos e destruidores em meio a seres espirituais recicladores.