Reminiscências de um encontro que está por vir
Esse encontro foi o terceiro. Veio depois da Campus Party, em São Paulo, e do Arraial, na Bahia, em setembro. Ambos em 2009.
O pessoal queria fazer o do Paraná também em 2009. Isso significaria que eu encontraria a galera da lista metarec mais vezes do que a minha própria família, que eu vejo no Natal, uma vez por ano, ou nem. E olha que pra ver minha família, a logística é bem mais simples: não precisa de projeto, captação de recursos, parceria ou milhões de e-mails, posts de blog, wikis, encontros no IRC, bugs e afins. O calendário universal já determina o motivo do encontro: é Natal e seguimos o fluxo da parte cristã da humanidade. É preciso juntar as pessoas de no máximo três estados do país com uns telefonemas para acertar o cardápio (pra quem tá “no estrangeiro”, como diria minha vó, existe o skype, que ela não teve a oportunidade de experimentar, infelizmente). Quer dizer: combinamos quem faz o quê do cardápio, pois ele também já é meio fixo. Graças a Deus, ou por sorte, dada a minha falta de repertório gastronômico. E a parte que me cabe é passar numa padaria ou confeitaria e comprar algo pronto, pois não sei cozinhar. Geralmente levo a sobremesa porque tenho uma tia que toda vez diz que vai fazê-la e algo dá errado: não se alcança o tal ponto, o creme não endurece como deveria, quando desenforma o negócio despenca, um desnível aqui e outro ali são suficientes para comprometer a estética [para quem não gosta de comer isso é fatal]. Além do cardápio, tem sempre aquela tentativa de reconciliação das partes brigadas, afinal é Natal. Prefiro não me intrometer porque uma parte dificilmente acredita que você não está tomando partido da outra parte. Gosto mais de pensar nos presentes. Aliás, gostava mais do Natal quando era criança, quando juntava (e praticamente obrigava) todos as primas e um primo para fazer apresentações de teatro, dança, música, criar cenários e figurinos de papel crepom e cartolina. Cresci e isso virou meu trabalho. Sem papel crepom e um pouco mais de glamour, é claro. Papel crepom e glitter é uma combinação típica da escola... não dá mais! Passei dessa fase. Evoluí. Acho.
Voltando ao motivo desse blablablá, creio que a galera ficou mesmo empolgada com a experiência do encontrão em janeiro. Sei lá... soava como uma paixão súbita. Três encontros num ano me pareceram uma grande aproximação. Bom... achei melhor me pronunciar indiretamente para não ser o empata-samba, aquela figura de certos folguedos populares brasileiros que interrompe a festa. Não era essa a intenção. O cuidado era outro: o medo de virar rotina [e a consciência do tamanho do trabalho... um rompante do signo de terra me impedia de seguir a fluência livre da imaginação ingênua]. Um pouco de espaço faz nascer a saudade e o gostinho bom da espera. Não aquela longa, que desanima e faz perder a esperança. Falo daquela que tem a medida certa. Lembrei do Roland Barthes e seus “Fragmentos de um discurso amoroso”, em que a espera tem várias faces: angústia, encantamento, alucinação, delírio. Diz ele que fazer esperar é o passatempo milenar da humanidade e a identidade fatal do enamorado não é outra senão ser aquele que espera. É... talvez coubesse a mim o desagradável papel de alerta. Paixão é bom, mas a rotina desgasta. Depois as pessoas reclamam que os casamentos não dão certo... Enfim, já me distraí de novo e devo voltar ao cerne deste relato.
Já acompanhava as ações da Patrícia desde quando comecei a participar da lista de discussão. Ela estava organizando a Campanha do Natal Livre. Curti a ideia, mas não pude ajudar muito, a não ser dando alguns palpites. O fato é que deu certo. Crianças ficaram felizes com seus computadores e eu também, por elas. Um Natal diferenciado depois de anos, felizmente.
Um mês depois a gente se encontrou na Campus Party e ela me contou detalhes desta experiência, mostrou as fotos, falou das crianças e suas histórias de vida, das dificuldades e da intenção de manter um esporo. A minha vontade de me intrometer ainda mais só fez aumentar. Propus, na lista, um mutirão para que essa ideia se transformasse em realidade. Não houve respostas no início, mas isso é normal naquele lugar cheio de gente criativa, bem intencionada, por vezes confusa e preocupada demais com suas próprias ideias ou sem tempo de se envolver demais com as propostas alheias. Não desisti e retomei o assunto meses depois. O resultado foi que eu fui parar lá em Curitiba para a ajudar a Pi, que a essa altura já tinha deixado de ser “Patrícia”. Era uma forma de agradecê-la, e também a seu marido, por terem me ajudado a ficar um pouco mais perto desse universo do “software livre”.
Nesse meio tempo rolou também o encontrão no Arraial, com o persistente Bando Bailux. Outra empolgação pré-Campus Party, que foi ganhando força até se tornar realidade. Era mais do que óbvio que não daria tempo de fazer tudo o que a galera queria em apenas três dias lá. Os assuntos eram variados, amplos e abundantes: do lixo eletrônico ao budismo e candomblé, passando pelas recorrentes conversas sobre logística distribuída, a sustentabilidade dos esporos e o tal “eixo por trás”, que já tinha ficado pra trás desde São Paulo.
O fato é que a gente teve a oportunidade de continuar a conversa nos arredores curitibanos. O local escolhido foi a Fazenda Thalia, uma sede de um clube do qual a Pi e sua família são sócios. Era um lugar lindo, enorme mesmo. Trilhas ecológicas, cachoeira (nada como banho de cachoeira), lagos de pesca, restaurante, local para festas, churrascos, enfim.. Tinha toda a infra de que precisávamos pro encontrão num local só.O pessoal da fazenda andava numas piras de fazer permacultura e essa conversa rendeu.
Juntamos carros e vans para passar um final de semana lá. Uma semana de imersão teria sido ótimo, mas conciliar a agenda de tanta gente foi difícil. Preferimos seguir na lógica da saudade e do gostinho de quero mais. Melhor assim. Energia para o próximo.
As acomodações foram variadas, pra combinar com a dinâmica metarec. Ficamos hospedados no hotel fazenda, uns no camping (os conservadores, que não conseguiram se desapegar da “tradição” do primeiro encontro) e outros nos quartos, com colchões. O camping tinha tudo: cozinha equipada, banheiros... tudo mega limpinho e organizado e os quartos do hotel eram simples, mas bem confortáveis. E nem ficou caro, só não lembro quanto saiu exatamente (não curto essa parte das contas, mas fiz tudo direitinho no planejamento e não tivemos problemas)
Também era possível cozinhar por lá, tinha duas cozinhas enormes, fogões, geladeiras, freezer. A questão comida ficou barata e mais simples pra organizar o que fazer, deu pra alegrar quem come de tudo e os que têm restrições.
Havia ainda um salão, com mesas e banheiros, onde rolaram as oficinas (aquelas que não tivemos tempo de fazer no Arraial e outras que surgiram depois, algumas no dia mesmo). Nas outras áreas de uso comum (com churrasqueira, sofás, mesas, lareira), aconteceram as conversas. Todas devidamente documentadas, pois já aprendemos a fazer isto. Ou melhor, nos acostumamos a fazer isso desde o up do site. Santo prêmio mídia livre!
Internet 3G lá funcionou que é uma beleza. Não tivemos problemas com link, nem nada. Colocamos um server no trailer e iluminamos o camping pro encontro. Várias fotos legais estão espalhadas pelos flickrs da vida e dando outro tom para o site, que não tinha tanta preocupação estética até bem pouco tempo atrás e agora já tem outra cara.
O complicado foi escolher a data. Foi sugerido o mês de julho, mas um nativo da região fez questão de avisar que neste mês e no anterior, a temperatura girava em torno de zero. Eu nem me importaria tanto porque adoro frio e tive poucas oportunidades de visitar meus pais quando estavam morando lá. Mudamos para março, mas o problema era a aula das crianças, que não participam diretamente da lista, mas estão em sua órbita, assim como muitas outras coisas. Depois veio à tona o mês de dezembro, antecipou-se para novembro, mas ambos foram descartados porque seria alta temporada. Aliás, julho também, apesar de ser bacana por conta das férias escolares. Achava que deveria ser em setembro outra vez, exatamente um ano depois do encontro na Bahia. Por que não? Baixa temporada [passagens mais baratas, um assunto que ainda é a pedra no nosso sapato], pós-feriado da Independência [o que conceitualmente tem relação com liberdade]. Primavera, estação da beleza, das cores e do florescer, obviamente. Simbólico, pensei eu.
Não me preocupei tanto com essas dúvidas na hora de fazer o planejamento. Por sorte, meses antes já tinha me intrometido a “testar” o site e fiquei observando e recolhendo os depoimentos das pessoas na lista. Me lembro especificamente de uma das discussões sobre a tal infra-lógica em que foi apontada uma questão importante: a metareciclagem precisava encontrar um jeito inteligente de tomar decisões. Era algo que tinha sido dito pelo Hdhd. Achei melhor não me esquecer disto porque é sempre bom prestar atenção em quem fala pouco. Se está falando é porque deve ser uma coisa bem importante. Ainda que na época eu não soubesse direito o que isso significava, fiquei de olho e percebi que isto era mesmo um ponto a se prestar atenção. Fui percebendo que as decisões não se tomavam naquele espaço. Elas simplesmente aconteciam. Ou por falta de opções e tempo. Ou por ausência de opiniões. Ou ainda, pelo fato da iniciativa ser de poucos. Enfim, as decisões eram tomadas sem que isto ficasse claro. Mas as coisas rolavam.
E assim, continuei, na minha experimentação de métodos de “planejamento” e observando o que as pessoas diziam. Quer saber o que era?
Conto depois porque já falei demais. E, pra mim, quem fala demais, talvez não mereça tanta atenção. Ou não. Provavelmente mereça, no mínimo, a chance.
Melhor parar. Ainda tem muita coisa a dizer sobre esse encontro. Mas contarei por partes, para que ele tenha a devida atenção...
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