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qui, 04/09/2008 - 16:05

"Minha" "comunidade" não "participa"

O Banto me lembrou de um post da fabs traduzindo um texto do De Ugarte: minha comunidade não participa. Eu usaria mais aspas no meio, mas vale pensar nesses aspectos ao pensar na infralógica.

1. O conjunto de usuários de um serviço não forma uma comunidade. Para que um grupo de pessoas forme uma comunidade tem que existir uma identidade comum, uma definição clara de quem forma o demos e um conhecimento mútuo entre eles (tem que formar uma rede distribuída). Logo a comunidade poderá crescer, mas o que é claro é que as comunidades humanas não se formam ao redor de serviços e menos ainda ao redor de webs.

2. As comunidades usam os serviços, não se definem por eles. Do mesmo modo que não há uma comunidade de usuários de seguro social ou de transporte público, não há uma comunidade de usuários de feevy, flickr, blogger nem de nada que possamos criar, sequer seja pensando em um perfil muito bem determinado.

3. Participar não é o mesmo que interagir. A interatividade entre seus membros pode ser uma medida da potência de uma comunidade ou da adequação de um serviço para uma rede concreta, mas não tem nada a ver com participar. Se interage com os outros, se participa das ofertas do anfitrião. Interagir tem lógica distribuída, participar tem lógica centralizada. Ao interagir somos donos, ao participar somos seguidores. A cultura da participação não tem nada a ver com o modo de vida da interação. A obsessão por votações não só pode supor geração artificial de escassez, como também está longe da lógica comunitária.

4. Votar serve para resolver conflitos... e nada mais. Os mecanismos de votação são a essência do participativo: participas do que é de outros, não o fazes você, não interages com outros, não se gera uma experiência vital comum que fortaleça os laços com outros. Se votar é nossa forma de nos relacionarmos com os outros, esses outros nunca terão cara e nome próprio para nós. Votar nos aliena da relação humana interpessoal: não gera nem fortalece a comunidade, ao contrário, a representa frente a pessoa como algo abstrato e exterior.

Não esqueçamos de que em uma comunidade, o essencial não é o mecanismo de resolução de conflitos (as eventuais votações), senão a definição do demos. Não somos iguais porque participamos da mesma assembléia, e sim participamos de uma mesma assembléia porque nos reconhecemos previamente como iguais.

5. As platafomas triunfam ou fracassam em relação a uma comunidade, não em abstrato. Se tenho uma comunidade como Exploradores, uma pequena rede de iguais que se conhecem e interagem todos os dias, discutindo, trocando mensagens e links entre si, e abro um serviço como o Pressmark para facilitar o que eles fazem, o mais provável é que triunfe. Mas o que dizer do triunfo neste contexto? Simplesmente que lhes será útil para interagir entre eles. A expectativa não é ter muitos usuários, enquadrar gente, construir cercas colocando um selo de gado... o objetivo é servir ao desenvolvimento de uma interação que já existia previamente. Se nosso site de links de repente ganha muitos usuários novos, pessoas que o experimentam e o usam para compartilhar sua rede, mas não convence ou não é usado pelos membros dos Exploradores... o serviço haverá fracassado.

6. As pessoas não existe. As coisas não se fazem para as pessoas, não existe um demos que seja as pessoas. Se abrimos um espaço para as pessoas ou convidamos as pessoas a votar ou decidir um tema, estaremos na realidade convidando qualquer grupo de rede previamente organizada a apresentar seus interesses ou seus olhares como as de conjunto social, quando não a arrebentar os limites de uma comunidade realmente existente. É o trabalho habitual da geração de escassez. Não definir o demos é a forma mais típica de apresentar como comunitário e democrático o que na realidade é o contrário. Exemplos? Abrir às pessoas em geral as votações sobre o futuro Monopólio ou sobre o representante a enviar a Eurovision produz resultados paradoxicais porque o que estamos fazendo é precisamente arrebentando os limites do demos dos jogadores de monopólio e dos fãs de Eurovision.

7. Uma comunidade não é um tema de interesse. Oferecer serviços ou conteúdos para um determinado perfil de interesses não gera uma comunidade. O que faz é atrair a uma - ou com sorte - várias comunidades já existentes... ainda que seguramente não as integre.

8. As comunidades não nascem artificialmente simplesmente porque nos ocorreu fazer-lhes uma plataforma. Se queremos criar uma comunidade não nos coloquemos a criar serviços porque não funcionará. Os serviços servem a uma comunidade, não a geram. Criar uma comunidade é construir uma identidade. Tem a ver com valores e experiências compartilhadas. Algo que se desenvolve e cresce com a interação. É então quando os serviços são úteis, mas não antes. Quer criar uma comunidade? Volte ao off-line ou encontre uma causa pontual tão potente que, atrás de fazer uma campanha virtual, seus/suas protagonistas se sintam emocional e intelectualmente ligad*s entre si para seguir fazendo coisas junt*s todos os dias.

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