Jump to Navigation

Blog

ter, 23/09/2008 - 12:34

Ação em rede e aprendizados

Um dos elementos mais marcantes pra mim durante os treze meses do projeto Metá:Fora foi a quantidade de coisas que eu aprendi pela convivência remota mas freqüente com aquelas mais de cem pessoas. Ainda mais em contraste com minhas péssimas experiências em duas diferentes faculdades particulares de São Paulo, onde eu só aprendi a reconhecer e ignorar gente imbecil. O aprendizado que eu tinha com meus pares de rede era muito mais acelerado e criativo. E não era só aquele aprendizado explícito que acontece quando a gente lê o que uma pessoa escreve sobre assuntos que ela domina. Ao acompanhar as mensagens de outras pessoas ao longo de algum tempo, eu tive a oportunidade de apre(e)nder muito conhecimento que de diversas formas estava tácito: maneiras de responder a diferentes situações e em diferentes momentos; maneiras de pesquisar e aprender coisas; maneiras de se relacionar com o outro e o grupo. Tudo isso, mais do que simplesmente adicionar mais conteúdo em um hipotético repositório mental de informações, tinha por resultado reformatar dinamicamente meus padrões de compreensão, limites de entendimento e perspectiva sobre o mundo.

Seguindo uma nomenclatura associada ao funcionamento de redes, algumas pessoas começamos a chamar esse tipo de processo de aprendizado distribuído. No sentido que a gente empregava, era um pouco mais do que o que se chama por aí de aprendizado informal: estávamos falando, de certa forma, em ambientes colaborativos que induziam, através de conversações, à emergência de múltiplos e diversos processos de aprendizado simultâneos e descentralizados. Com base nisso, começamos a rascunhar uma idéia de projeto que na época não chegou a andar muito, que chamamos MetaLearning. A base dele era criar ambientes apropriados para o aprendizado distribuído. Oo mesmo tempo, se fazia uma crítica ao que é chamado por aí de "e-learning", que na minha opinião deveria ser chamado de e-teaching, dada a ênfase que se dá a uma perspectiva de cima para baixo, no controle de acesso e em avaliações formais. Até EAD, educação a distância, é um termo muito mais adequado nesse sentido. Mas o aprendizado distribuído não é a mera inversão da ação: não se trata de um autodidatismo online, mas de incentivar um heterodidatismo (como o Stalker chamou semana passada) que é idealmente cambiante e não tem hierarquias fixas. Sem o elemento da rede em que as pessoas ajudam umas às outras, não existe o aprendizado distribuído. Em relação ao e-learning, o aprendizado distribuído propõe um processo muito mais de descoberta e remixagem. Em relação ao EAD, o aprendizado distribuído propõe o desaparecimento da distância - só é possível com essa sensação de proximidade íntima, quase incômoda, que a rede proporciona.

Como tantas outras idéias não prioritárias daquela época, o MetaLearning foi deixado de lado. Desde então, se passaram mais de cinco anos. Vi aparecerem um monte de projetos que adotavam perspectivas parecidas ou elementos e ferramentas que traziam novas possibilidades nesse sentido. Hoje em dia, falar em blogs e wikis não é mais estrangeiro ao ambiente educacional. Alguns conhecidos têm atuado de maneira bastante interessante nessa área. Eu mesmo fui convidado algumas vezes a participar de processos que esbarravam nesse ideário, como o curso de formação em educação democrática da Escola Lumiar. Outro fato é que ferramentas colaborativas online (como o drupal que eu sempre cito e uso) têm se tornado cada vez mais flexíveis, com possibilidades interessantes de aplicar nesse tipo de ação. Ao longo do tempo, continuei usando o nome metalearning para categorizar links que tinham alguma relação com a idéia.

No ano passado, fui convidado a participar de uma conferência em Amsterdam chamada Pedagogical Faultlines. Havia uma curiosidade da organização do evento sobre paralelos possíveis entre a MetaReciclagem e as idéias de Paulo Freire. Sinceramente, até então meu contato com Paulo Freire tinha sido somente indireto, através de comentários ou artigos. Aproveitei a oportunidade e peguei alguns livros dele. Fiz uma apresentação traçando algumas analogias, e tive a oportunidade de conhecer mais alguns projetos interessantes. Guardei algumas anotações no meu blog e fiz um relato no site do descentro. Depois do evento, troquei uns emails com Jeebesh Bagchi,  do Sarai, que fez uma crítica bastante relevante sobre usar Paulo Freire para entender MetaReciclagem e outros grupos. Traduzi e mandei pra lista da MetaReciclagem semana passada:

"depois de ouvir você falar algumas vezes e seguindo teu trabalho por algum tempo, eu sinto que ele é muito mais complexo conceitualmente do que aquilo que é articulado. O trabalho e o pensamento do Paulo Freire foram uma intervenção notável em seu tempo, mas também é marcado por toda a limitação de seu tempo. Ele tem um compreensão simplista de opressão e conhecimento. Ele polariza a sociedade de maneira acentuada em campos identificáveis de opressor/oprimido e também o conhecimento em submissão/libertação. A divisão mais profunda é entre ignorância e conhecimento. O 'educador' atravessa ["bridges"] essas separações e faz crescer a conscientização".
Mas, vocês todos trabalham com uma condição diferente de conhecimento. Para vocês o conhecimento é um conjunto de práticas que é ativado através de vários modos de fazer e agir. Ele é libertado e pode vir de diversas fontes. Ele tem um propósito muito difuso e com muito mais pontos de entrada vai mudar as formas de engajamento. Eu também estou sempre intrigado pela natureza carnavalesca do trabalho e sua apresentação. Essa relação de relação com a tecnologia e o conhecimento ao redor dela que é não funcional, brincante [obrigado nóbrega] e ainda assim generativa precisa de consideração séria. Meu medo é que de outra forma ela se afogue como mais tipo de euforia de 'alfabetização em massa' e daí à exaustão e tomada pelo comércio".

Daí que tentar enquadrar esses novos tipos de aprendizado em teorias estabelecidas do mundo da educação sempre acabe esbarrando em limites, justamente porque estamos falando de novas formas de aprender.

Um dos projetos que estava sendo apresentado na conferência era o Banco Comum de Conhecimentos, do pessoal do Platoniq. Rolou alguma discussão entre uma francesa e um italiano sobre a validade de pensar em conhecimento somente como "conteúdo" explícito. Concordo com a crítica, mas o Banco Comun era uma coisa bem mais simples: entender novas formas de aprendizado que aconteciam através da rede e criar paralelos no mundo offline. Alguns meses mais tarde, em Barcelona, eles me pediram pra ajudar a elaborar um jogo para o projeto. Mesmo se tratando de uma coisa muito menos aprofundada, fiquei feliz em ver mais gente tentando fazer essa ponte entre o aprendizado em rede e o mundo lá fora.

Em maio desse ano, estive em Manchester para o Futuresonic, que levantou um monte de questões sobre redes sociais. Depois fui a Londres a convite de Bronac Ferran para um evento chamado Systems of Learning, no Imperial College. Cheguei a rabiscar no meu caderno uma retomada do assunto do aprendizado distribuído, mas acabou que o foco da apresentação mudou para as redes de ativismo no Brasil e todo o processo de mídia tática sendo adotada em projetos de governo. Na época, cheguei a rascunhar um post em inglês sobre "distributed learning" para publicar no Ning do evento, mas não consegui terminar o texto.

Pra terminar o processo que me leva ao presente post: há algumas semanas, li um post (offline agora por algum problema no banco de dados do smartmobs) do Howard Rheingold sobre seu projeto de Social Media Classroom. Gosto do Rheingold e algumas coisas que ele escreve, mas o projeto me parece bastante limitado em o que considera aprendizado. Mas ele serviu para despertar outra vez meu interesse em caminhar com o MetaLearning, baseado na criação de ambientes online de convívio e produção colaborativa, e adicionar alguns elementos que facilitassem a transformação desse tipo de interação em aprendizado efetivo. Criei uma ConecTAZ sobre o assunto e pretendo convidar outras pessoas a participarem e talvez chegar a desenvolver alguma coisa.

Aguardem os próximos capítulos.

Quer colaborar? Cole aqui e clique em "participar" na coluna da direita.

3782 leituras blog de felipefonseca

Comentários

spiropedia

outras pistas sobre isso tudo na página wiki da spiropedia:

http://wiki.bricolabs.net/index.php/SpiropediaBras

---
efeefe
http://efeefe.no-ip.org

Excelente post!A experiencia

Excelente post!

A experiencia de aprendizagem que você relatou (que é muito parecida com a minha própria experiência!) me fez lembrar do "Story Centered Curriculum":

http://www.elearnmag.org/subpage.cfm?section=articles&article=47-1

E aqui está um currículo desenvolvido usando este método:

http://vista.engines4ed.org/

Acredito que um grande risco nestas ações de redes de aprendizado é a repetição da perspectiva "de cima para baixo", mas desta vez vinda dos próprios idealizadores, tentando "forçar" currículos e temas que podem não interessar às comunidades a serem servidas -- E de uma certa forma a própria iniciativa acabar se tornando opressora e colonialista.

Eu tenho notado muitas iniciativas (a maioria, na verdade) criadas em países "ricos" que, apesar de bem-intencionadas, tentam levar receitas prontas desenvolvidas na utopia das universidades para a realidade das comunidades em países emergentes, e isto na minha opinião é uma forma de colonialismo (apesar da boa intenção das pessoas envolvidas).

Acredito que a solução para este dilema é a co-criação de soluções JUNTAMENTE com as comunidades onde estas serão implementadas, e não algo desenvolvido no vácuo.

De qualquer forma, não quero deixar aqui um tom negativo nem nada... Só estou tentando trazer atenção ao perigo de nos tornarmos opressores/colonizadores por causa de nossas próprias convicções.
 

redes de aprendizados

fala, albertão

pois então, justamente o que acho interessante explorar é um sistema online em que cada usuárix é potencialmente aprendiz e orientadorx. nesse sentido, a idéia é que não exista uma diferença entre a comunidade onde solução será implementada e alguém que define o currículo. ou seja, todo mundo colabora com material, cada pessoa vai tagueando ou favoritando o material que achou interessante, e o "currículo" não é mais do que o rastro de materiais que as pessoas vão colecionando. esquema RPG, sair pelo mundo colecionando coisas, mas aí compartilhando. na real, a lógica adotada pelos itens compartilhados do google reader tem um pouco a ver com isso: eu aprendo um monte só de seguir os itens de meus peers. o material de aprendizado é o mundo, a web. na real é uma abordagem aberta de aprendizado, pensando em coleções abertas. o pulo do gato é ter uma maneira de navegar pelo rastro de outras pessoas, poder marcá-las como referências e pedir que elas me orientem no aprendizado. ou seja, xs orientadorxs são gerados dinamicamente. eu posso desistir de 1 orientadorx quando quiser, e partir pra outra trilha. esquecer sala de aula e pensar em memex, em delicious e tags, e em aprendizado continuado. ao longo do tempo, eu posso pegar os meus itens tagueados/favoritados/colecionados e organizá-los em playlists que façam sentido de acordo com qualquer lógica que eu quiser adotar.

faz sentido?

---
efeefe
http://efeefe.no-ip.org

Pensando em "conteúdo"

Me lembrei de um livro que se chama "A prática educativa", que foi escrito por um autor chamado "Antoni Zabala", que apresentou uma tipologia de conteúdos, que me fez pensar que há várias coisas para se aprender nesta vida, que isto pode acontecer de vários jeitos, que pode ser a qualquer hora, que pode ser sozinho e/ou com um bocado de gente, que se apropria da sua teoria de diferentes maneiras, que...

CONTEÚDOS FACTUAIS: são aqueles conteúdos relativos a fatos que aconteceram em determinado período da História da Arte, situações, localização de um povo, período, etc. Seu caráter é descritivo e concreto. (...) . REPETIÇÃO VERBAL.

CONTEÚDOS DE CONCEITOS E PRINCÍPIOS: são abstratos. São aqueles que exigem a nossa compreensão, o nosso posicionamento. Estabelecer relações com outros fatos, situações ou objetos. Precisamos entender o significado. Há compreensão destes conteúdos quando o aluno é capaz de utilizá-lo para a interpretação de um outro fato/situação. (...) Uma das características dos conteúdos conceituais é que aprendizagem quase nunca pode ser considerada acabada. Sempre há possibilidade de ampliá-lo, de estabelecer novas relações e encontrar outros conceitos. COMPREENSÃO.

CONTEÚDOS PROCEDIMENTAIS: são aqueles que funcionam como um conjunto de ações ordenadas para atingir um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, classificar, analisar... Neste caso, a compreensão deste conteúdo se dará pela experiência, pelo ato de realizá-lo. (...). EXPERIMENTAÇÃO.

CONTEÚDO ATITUDINAL: são aqueles relativos aos valores, atitudes, ao comportamento, padrões ou regras. Há necessidade de uma vinculação afetiva. Supõe o reflexo de imagens, de símbolos ou experiências promovidas a partir de modelos de um grupo. POSICIONAMENTO.

[colado de http://www.revista.art.br/site-numero-09/trabalhos/44.htm]

abs

 

conteúdo

é uma divisão aleatória... dá pra pensar em um monte de outras possíveis. mas reli hoje um post do pádua sobre minha crítica à idéia de "conteúdo", e acho que ele tem razão:

http://imaginarios.net/dpadua/?p=74

---
efeefe
http://efeefe.no-ip.org

Ai, que bacana!!! Tenho

Ai, que bacana!!! Tenho tentado traçar um paralelo entre a educação popular freireana e as práticas da rede. No mestrado que começo ano que vem, na educação formal e sobre a educação formal de jovens e adultos, essa conversa é central! Mas espero conseguir acompanhar os próximos capítulos ainda esse ano, mesmo com o bebezinho que tá chegando ;)

Hierarquia

Apesar de muito tempo discordar de hierarquias, acabei descobrindo de outras formas que elas são necessárias.

Em qualquer sistema de "conhecimento" acredito que as hierarquias ainda que mais fluídas devam existir.

O processo de humildades diante do "conhecimento" é algo necessário na minha opinião. Isso não significa submissão ou relações do tipo professor-aluno que existem hoje.

A Academia e os processos de mestrado e doutoramento parece-me uma forma mais interessante aonde o aprendiz se transforma em alguém que busca o conteúdo, e a hierarquia lhe auxilia no processo, não através de respostas fáceis e automazidas como nas escolas / faculdades, mas com desafios intelectuais e incentivos. O que estraga nesse meio é a vaidade humana, que também não deixa de existir em qualquer outro nível. Mas as relações me parecem mais apropriadas e livres de amarras.

Posso estar errado ;)  como sempre...

 

doutorado pirata

fala, pr

sim, a idéia de "orientação" já muda bastante o esquema. mas imagina agora um ambiente semicaótico em que a orientação também é dinâmica (olha minha resposta pro albertão nesse mesmo post). hierarquias, que venham e vão com o vento ;)

que venha o doutorado pirata:

http://www.google.com/search?q=%22doutorado+pirata%22&ie=utf-8&oe=utf-8&...

---
efeefe
http://efeefe.no-ip.org

gamb+i