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ter, 25/05/2010 - 20:25

Duas conversas em Manchester

Hulme - arc Space

Vicky Sinclair é uma norte-irlandesa baseada em Manchester que já veio algumas vezes ao Brasil. Eu a conheci em 2006 na padaria em frente à Casinha, antiga base de articulação da Cultura Digital e do Estudio Livre em sampa. Desde então, encontrei a Vicky mais algumas vezes pelo mundo - no Futuresonic 2008 em Manchester, numa tarde qualquer em Barcelona, durante o Wintercamp em Amsterdam, e novamente no Brasil no Fórum da Cultura Digital. Ela também me visitou em Ubatuba há alguns meses.

Desde que a conheci, Vicky está envolvida com um monte de projetos interessantes. Trabalhou com o Generate Project, que se inspirou nos Pontos de Cultura para criar um espaço de diálogo entre tecnologias e a sociedade, em parceria com o Zion Arts Centre, que eu visitei em 2008. Nos últimos tempos, ela está focando a energia em um projeto chamado arc Space.

Wesley Community Recycling Project

Eu aproveitei que estaria em Manchester para o Future Everything e fui conhecer o arc Space. O endereço dizia: Saint Wilfrid's Enterprise Center, em Hulme. Saí a pé da Oxford Road e fui a pé até o parque de Hulme. Vi uma plaquinha para o Saint Wilfrid's, dei a volta em uma igreja e encontrei um projeto que recebe doações de móveis e os vende a preços baratos para a comunidade. Não era lá. Perguntei sobre o Enterprise Center. "Tá vendo a igreja? É ali mesmo". Eu esperava uma coisa totalmente diferente, talvez pelo "empresarial" no meio. Voltei e entrei.

Saint Wilfrid's Enterprise Center

Eco TechnologiesVicky ainda estava ocupada, terminando uma aula do curso de Ecotecnologias Criativas. O coordenador geral do Centro, John Nancollis, se prontificou a me apresentar o espaço. Pedi que ele me explicasse um pouco do contexto ali. Até há alguns anos, o prédio era realmente uma igreja, que foi transferida para outro lugar. O Enterprise Center começou com apoio da paróquia, como um espaço para desenvolvimento de negócios locais. O bairro, Hulme, tem características bem específicas. Surgiu como moradia para a força de trabalho da revolução industrial, depois viu a decadência da produção industrial e sucessivos projetos para reabilitação.

Falando com o pessoal no arc Space

John é um cara articulado, que tem muito orgulho do que fazem por lá. Existem projetos de tecnologia, cultura e alguns pequenos negócios, sem muita discriminação. Percebi nele algo que eu já tinha sacado conversando com outros britânicos: uma clareza e um despudor ao falar em dinheiro e negócios que torna as coisas muito mais simples. Em resumo: existem pessoas talentosas que com um pouco de ajuda podem ganhar dinheiro, que vai ajudar a vida delas e da comunidade. É claro que isso depende da crença no mercado como ferramenta de distribuição de riquezas, o que parece funcionar melhor em sociedades onde existe uma classe média formada (e Manchester, como um dos berços da revolução industrial, tem essa herança). De qualquer forma, naquele contexto específico faz sentido pensar em "negócios" como uma potente ferramenta de transformação social.

Navio Pirata no Parque de HulmeEnquanto caminhava na área externa, pensei bastante no Parque Escola. Estávamos falando de uma estrutura apropriada, dentro de um parque público. Lá dentro havia um projeto (o arc Space) que ensinava as pessoas a reutilizarem computadores. Mais do que isso: John me mostrou um contêiner, que eles estão pesquisando como usar como espaço temporário em praça pública. Conversamos rapidamente sobre o Container Project e outras experiências similares. Depois ele contou um pouco das particularidades daquele espaço - como é ligado à igreja, eles não podem organizar festas, vender bebida alcoólica (nem, imagino, distribuir camisinhas). Falou também dos planos de reformar o telhado e já colocar paineis solares, e de tentar estender um pouco a construção para criar um café voltado para o parque.

Trocando a ideia com a Vicky

Subimos para encontrar a Vicky na sala do arc Space. Ela terminava a sessão com alguns garotos muito interessados. Me pediu pra falar um pouco da MetaReciclagem no Brasil. Mostrei umas fotos, falei um pouco. Curtiram. Vicky contou sobre o que estavam armando para a semana seguinte (que seria a semana da educação adulta no Reino Unido): stream com o Brasil, oficina de PD e outras coisas. Falou que, embora as coisas estejam funcionando bem - têm atraído muitos interessados nos cursos, incluindo pessoas encaminhadas pelo serviço social de lá - o projeto está com o financiamento garantido por poucos meses, e talvez não continue depois disso. Uma pena. Gostei muito do arc Space, e fiquei pensando em possibilidades de mais intercâmbio com projetos no Brasil - eles já estão fazendo sessões cruzadas com a Matilha Cultural, em Sampa. Minha visita por lá foi interessante pra ver na prática uma influência no sentido contrário - se a MetaReciclagem começou muito influenciada pelo Access Space de Sheffield, eu acho que posso afirmar que agora a MetaReciclagem foi uma influência importante para as coisas que o arc Space fez e faz. É, sem dúvida, um legítimo esporo.

Ubuntu rodando nas máquinas

Inventores e Fablab

Na manhã seguinte, uma manhã fria da primavera inglesa, encontrei Vicky e Russel Clifton no café do Contact Theatre. Russel faz parte do conselho de jovens inventores de Manchester, está envolvido com o FabLab implementado recentemente por lá, e acima de tudo é um 'social worker' - trabalha com jovens e escolas.

Ele falou sobre os FabLabs, a rede de laboratórios de prototipagem desenvolvida pelo MIT. Contou também sobre algumas coisas do conselho de inventores - pessoas desenvolvendo produtos e aplicações, realizando workshops baseados no A better mouse trap. Um pouco do discurso dele também é condicionado ao contexto - no caso o cenário britânico de "indústrias criativas" que depende bastante de uma economia de licenciamento e patentes. Outro mundo pra gente.

Comentou que um problema específico do Reino Unido é que tem uma molecada achando que vai inventar alguma coisa e ficar milionária em dois segundos. Pensei nos antigos mitos do sucesso na música pop, e como a cultura livre veio ajudar a quebrá-los. Em contraponto, ele foi bastante simpático ao tipo de argumentação que a gente vem elaborando com a gambiologia - criatividade distribuída e popular, tratada como um recurso cotidiano que vê o mundo como cheio de recursos remixáveis. Falou que a impressão 3D traz um ferramental muito importante pra complementar esse tipo de criatividade - por exemplo criando pecinhas específicas para gambiarras quaisquer. Comentou também sobre sites como o quirky, que possibilita que designers criem produtos, que serão avaliados pela rede de usuários e eventualmente manufaturados para venda.

Disse que uma das coisas interessantes dos Fablabs é que eles estão todos interligados - e sempre que alguém precisa resolver um problema, pode abrir a videoconferência para consultar pessoas que estão em outros laboratórios ao redor do mundo e buscar soluções. Achei uma solução bem relevante para a investigação que estou começando com os redelabs, mas duvido que eles usem ferramentas livres. Russel tem muito interesse em propor intercâmbio entre as escolas de lá e projetos daqui do Brasil. Sugeriu fazer videoconferências com webcams e sessões de desenvolvimento de soluções, ou trazer ao Brasil pessoas especializadas em gestão de inovação para dinamizar coisas com inventorxs em potencial.

A conversa sobre prototipagem me fez lembrar do papo sobre materiais e estruturas em código aberto na lista metarec. Eu acho que existe um potencial enorme na mistura entre a sensibilidade tática da gambiarra e esses novos instrumentos para transformar ideias em matéria. Fiquei com mais vontade ainda de trazer alguns equipamentos desses para esporos de MetaReciclagem e ver o que acontece. Russel falou que ia investigar o que os Fablabs fazem com os equipos depois que trocam. Quem sabe... vamos vendo.

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