Encontro do Recife
Projeto Didático para a Construção de Documentários: primeira ida a campo
Demos início nessa segunda-feira às entrevistas preparatórias para o documentário que estamos produzindo no presídio de Igarassu. A iniciativa está dentro das ações do projeto de Extensão ‘Projeto Didático para a Construção de Documentários’, que está sendo tocado em parceria com o Centro de Estudos de Educação e Linguagem, do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. O objetivo geral do projeto é desenvolver com professores da rede estadual de ensino metodologias e processos de investigação utilizando a produção de documentários como caminho. Escolhemos utilizar problemáticas das relações étnico-raciais como eixo estruturador dos docs. O projeto já está em seu segundo mês de atividades e com isso começamos a trabalhar em campo.
A visita foi muito proveitosa, sobretudo para colocar em prática a metodologia que a gente tem tentado desenvolver com os professores – nossa esperança é que essa mesma metodologia possa ser assimilada por eles e aplicada em salas de aula. A ideia geral é, primeiro, pensar a metodologia (o caminho, o processo, por assim dizer) como momento de construção de conhecimento, de investigação e intervenção na realidade. Mais do que o “produto”, o que interessa é o processo de construção e por isso de crítica aliada a construção.
Isso implica em criar narrativas, interpretações, estórias sobre o mundo – o cotidiano, as dinâmicas de ordem contingentes, os olhares fora da narrativa hegemônica e mainstream. Nossa expectativa com isso é contribuir para uma aproximação da escola – essa entidade disciplinar e em grande parte autista – das comunidades em que ela está inserida.
A visita
Como ia dizendo a visita foi muito proveitosa. Serviu, como esperávamos, para que as perspectivas iniciais pudessem ser re-alinhadas em função do que se encontrou em campo e para iniciar a familiaridade com os ambientes e as pessoas. E também para definir novas pesquisas a serem feitas pela equipe. O ponto de partida era tratar da questão da remissão da pena e da aplicação da legislação pertinente. Pela experiência de algumas das professoras do grupo (um dos três grupos em que dividimos a sala de 30 alunos-educadores do projeto) há preconceito de cor na seleção dos detentos para os serviços de administração.
Esse é um fato empiricamente observado na Penitenciária Feminina Bom Pastor qual três das professoras ensinam. A visita ao Presídio de Igarassu mostrou outra coisa. A escolha dos detentos para os serviços de administração – pelos quais eles recebem salário e abatimento na pena – não passa de forma determinante pela questão racial. Outros elementos parecem definir a seleção de quem trabalha nas dependência do lugar.
Isso nos forçará a rever a hipótese original e re-orientar as coisas. E a necessidade de debater a questão étnico-racial impõe um desafio interessante.
Visitamos a escola que existe dentro do presídio, o rancho, as dependências onde dormem os detentos que trabalham na cozinha, a fábrida de portões eletrônicos, a marcenaria. Não nos permitiram visitar as celas e não é difícil saber a razão. Passamos pelas áreas mais agradáveis da unidade prisional – limpa, onde as pessoas trabalham, onde há atividade saudável, onde se vêem as iniciativas mais evidentes de ressocialização.
Essas atividades são realizadas por apenas 200 homens. Há, no presídio 2.400 almas – a unidade foi projetada para apenas 400. Ou seja, há uma superpopulação de negros, pobres, que em sua maioria não faz nada de produtivo e que esperam o tempo passar. A prostituição e a droga são muito presentes. E, embora o discurso hegemônico o proria, não é o sexo (homossexual e heterosexual) e o acesso às drogas que impede o bairro de explodir. Aliás, esse discurso tem seu quê de preconceito.
Política de prender
O que atribui uma relativa calma à realidade prisional que estamos começando a acompanhar é de outra ordem, pois nem todos os detentos tem grana ou saúde para os exo e as drogas. Penso que, na conversa com o diretor da unidade, ele deu a senha para se comprender que a relativa pacividade está relacionada a dois fatores: a grande maioria dos presos viveu na infância e na adolescência em pequenos espaços, com grandes privações, sem instalações sanitárias nas casas, pouco conforto. A superlotação não é, assim, uma realidade muito diferente e afastada da que eles vivenciavam quando livres. A superlotação não é, assim, um elemento de revolta. O outro fator é a alimentação. A comida no presídio é muito boa e constante. Há as três refeições, com oferta abundante de frutas, sendo acompanhada por nutricionista e muito bem executada – comemos por lá e posso falar por mim próprio.
Ainda segundo a fala do diretor, o principal desafio (ele reiterou que o único desafio) é a morosidade da Justição no julgamento dos apenados. Há diversos casos de detentos que já pagaram suas penas e ainda não foram julgados!
Embora o diretor não tenha afirmado, um outro obstáculo para a melhoria da qualidade de vida na unidade é a própria política de segurança do Estado. Palavras do diretor:
- Não existe uam política de segurança no Estado de Pernambuco. Há uma política de prisão. Prende-se o criminoso e amontoa-se essas pessoas em lugares como esse. Isso baixa os índices de violềncia do lado de lá (nas ruas), mas cria um outro problema social, que é fazer com que essas pessoas vivam amontoadas.
Pobres & Pretos
Ficamos sabendo, ainda durante a visita, que está sendo finalizado no próximo sábado, 29 de setembro, o trabalho de censo carcerário. Esses dados, que são públicos e que poderemos usar no doc, será de muita valia. Sobretudo porque fornece uma base da dasos confiável e atual da população carcerária – inclusive com a porcentagem de cor.
O que tenho pensado agora é que aos condicionantes históricos que marginalizam a população negra se soma uma política de Estado que amontoa os indivíduos. A superpopulação tem uma relação direta com a questão racial no Brasil – ao mesmo tempo em que também está relacionada à não observação do direito dos aprisionados.
Na verdade, nada nesse raciocínio é novo – mas é um caminho possível para a construção do documentário. Ou seja, a crítica do Pacto pela Vida (que o diretor chama Pacto pela Prisão) como política de Estado insuficiente que tem a perversa característica de prejudicar mais a população carcerária negra.
No próximo sábado temos novamente reunião para juntar as informações coletada e repensar caminhos. A ver…
Intimidade mental
O beijo roubado no quintal aos 13 anos.
As nuvens negras.
A emoção da proximidade de uma tempestade.
As batidas do relógio.
O abraço caloroso da mãe.
O sorriso e o cuidado do pai.
A escrita dos dedos sobre a janela embaçada.
O canto perto da janela.
O cobertor aconchegante quando se tinha febre.
O céu límpido do Norte da Europa.
Todos, absolutamente todos, tiveram sua juventude roubada.
Todos, absolutamente todos, tiveram sua tranquilidade roubada.
Do outro lado do arame farpado, nós também víamos a neve.
E Deus.
Em como Ele é.
Uma forma infinita e atordoante, bela, preguiçosa, imóvel, sem o desejo de fazer coisa alguma.
Como certas mulheres que, quando somos jovens, ousamos apenas sonhar.
x.x.x.x.x.x.x
As coisas que ouvimos quando nos dispomos a ouvir…
Tirando o que é distante ou externo a minha realidade, nossa realidade de brasileiros – o contexto do Holocausto, o céu do Norte da Europa, … -, há algo no trecho que é muito acolhedor e que talvez mereça o nome de intimidade mental.
Tirado de uns bons diálogos de This must be the place.
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