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Um tablete por criança?
Estava lendo a entrevista do ministro Paulo Bernardo no Estadão, e me chamou a atenção a frase que ele atribui à presidenta: "chama os produtores nacionais de computador e faz uma negociação com eles para fornecer tablets com preço mais popular". Acho um movimento interessante, mas é necessário aprofundar um pouco mais a conversa. O problema das iniciativas de governo nessa escala é que elas têm um tempo de implementação totalmente diferente da velocidade de desenvolvimento de tecnologias. O projeto Um Computador por Aluno é um exemplo.
Tudo começou quando o MIT criou o projeto OLPC, que propunha um hipotético laptop de cem dólares para crianças de países em desenvolvimento. Eles desenvolveram uma solução de hardware e uma distribuição Linux. O Brasil foi um dos interessados, de onde surgiu o UCA. A minha opinião é que o maior resultado do projeto OLPC foi influenciar a indústria a entender que existia demanda para computadores menores, mais leves, com menos processamento e maior duração de bateria. A primeira a apostar nisso foi a Asus, com a linha EEE. O resultado foi o desenvolvimento de um nicho totalmente novo no mercado, os netbooks. Em pouco tempo, todas as grandes fabricantes (até uma relutante Apple) desenvolveram soluções nessa linha.
Enquanto isso, o programa UCA patina com a licitação de lotes de computadores de uma fabricante nacional onde grande parte da inovação do OLPC foi deixada de lado: nada de manivela para alimentação manual da bateria, nada de distribuição linux desenvolvida com aplicativos educacionais, nada de redes mesh. É o que acontece quando a indústria brasileira de TI (que não cria nada sozinha!) é deixada a cargo do desenvolvimento de produtos: nada de inovação, somente replicação do que é trivial no mercado.
É nesse sentido que acredito que simplesmente negociar para que os produtores nacionais ofereçam tablets mais baratos é perder uma grande oportunidade. Existe uma linha de pensamento limitada que tenta opor computadores e tablets, tratando estes como dispositivos para o mero consumo de mídia (acesso) e os primeiros como máquinas mais adequadas para a criação. Isso só é verdade em um nível superficial, pensando em arquiteturas fechadas e restritivas. Em tempos de possibilidades mútiplas de produção de hardware, seria bem interessante que se projetassem dispositivos abertos e genéricos baseados em software livre e protocolos abertos. Em vez de simples "tablets", podemos pensar em dispositivos inseridos em soluções abrangentes de acesso, processamento, conexão, armazenamento e conectividade. Eu lembro de conversar há alguns anos com Daniel Pádua sobre dados pessoais em telecentros, e imaginamos um cenário em que os telecentros não teriam CPUs - somente teclados, mouses e monitores. As pessoas levariam seus aparelhos com processamento próprio e utilizariam esses periféricos. Depois, poderiam levar os dispositivos para casa, para a escola, para o trabalho. Na época, tínhamos imaginado laptops sem tela, mas hoje em dia (depois da revolução dos smartphones, dos netbooks e do surgimento dos tablets) é possível pensar em uma solução semelhante baseada em tablets genéricos.
Eu testei um modelo específico, o SmartQ V7 da Smart Devices. Ele tem porta USB, saída de vídeo HDMI e slot para cartão SD. Pode ser usado com um monitor, mouse e teclado externos. Roda Android, um sistema operacional baseado em Linux (é possível questionar o quão livre o Android é, mas de toda forma ele é muito mais versátil do que seu principal concorrente atual).
Como o SmartQ, existem hoje algumas dezenas de aparelhos semelhantes, tão ou mais versáteis, como o Touchbook da Always Innovating. Se deixarmos para que as grandes empresas da indústria nacional ofereceçam soluções próprias, não duvido que apareçam tablets que se resumem a netbooks com touchscreen e sem teclado, rodando uma versão leve do Windows (não!!). Ou então tablets que tentem reproduzir a ecologia da apple e façam suas próprias lojas proprietárias e fechadas.
O grande problema é: como operacionalizar o desenvolvimento de produtos inovadores em grande escala? Não é papel do governo criar essas soluções. Talvez pensar em uma estrutura modular, em que pequenas equipes criativas desenvolvam soluções para pautar a indústria. Talvez propor que, antes de responder a licitações com especificações e preços, a indústria brasileira entregue estudos de campo e propostas criativas mais abrangentes. Não vamos perder mais uma oportunidade de gerar inovação genuinamente brasileira.
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