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qui, 23/12/2010 - 21:38

Metáforas...

Outro dia me peguei pensando na relação entre os signos astrológicos e as figuras de linguagem. Estava associando uns aos outros, na tentativa de encontrar os melhores pares. Sabe aquelas listas das revistas de sala de espera, nas quais você vê: o presente perfeito, a cor preferida, o jeito de amar, o tipo de beijo, a roupa certa, a flor mais indicada, o número da sorte, o dia da semana, o pai, a mãe, o bebê, o parceiro ideal de cada signo? Pois é... nunca encontrei uma lista útil, que dissesse, por exemplo, qual é a figura de linguagem típica de cada um. Por que me interessa saber se uma pessoa tem o lápis-lazuli ou o diamante como pedras características? Quem é que convive com a azul abundante na cultura egípcia dos faraós ou o raro e caro transparente do universo cinematográfico? Por exemplo, o uso das metáforas na vida cotidiana não é muito mais popular que estas preciosidades?

Pois então, foi justamente a metáfora que me atrapalhou. Algo que todo mundo usa, mesmo sem saber, parecia democrática e necessária demais para ser exclusiva de um único signo. Por mais que tentasse, não conseguia enquadrá-la na minha tabela zodiacal imaginária.

Nessas, acabei lembrando de uma história ótima que aconteceu com uma amiga, claro! Já escrevi noutro blog dia desses e repito – não sou adepta da famigerada artimanha da autobiografia disfarçada. Mais uma vez se trata de um episódio sobre relacionamentos. Não que a vida das mulheres se resuma apenas a isso, mas a todo instante o mundo tenta convencer o próprio mundo que a vida é sempre assim. E num desses momentos, minha amiga me liga:

 

Ela: Oi, nós vamos passar aí na sua casa.

Eu: Nós quem?

Ela: Ah, quero te apresentar um carinha que eu conheci

Eu: Vêm só vocês dois, né? Já te falei que eu não curto essa ideia de “quero te apresentar um amigo”, tô muito bem sozinha e quero continuar assim.

Ela: Ai, eu não sei como você consegue.

Eu: Querida, cada um é de um jeito. Não sou como você, que prefere ficar com qualquer pessoa só pra ter alguém do lado. Depois se mete em encrenca e sofre...

Ela: Não, pode ficar tranquila que vamos só nos dois.

Eu: Tudo bem, mas não é um daqueles caras sem noção, com a fantasia sexual mais óbvia do mundo, é?

Ela: Sei lá, a gente acabou de se conhecer, acho que se for, não vai ter coragem de te pedir nada, não.

Eu: Então tá, porque eu tô fora dessas, já sabe. Mas onde vocês querem ir? Não tô no pique de balada.

Ela: Sei lá, não pensei ainda.

Eu: Só mais uma pergunta: Não é daqueles caras nerds, que passa a vida inteira lendo quadrinho e nunca viu mulher de verdade na vida, né? Daqueles desesperados, que não sabem conversar, e vai ficar te agarrando no barzinho enquanto eu espero, certo?

Ela: Não, ele não é assim e é um rolê bem rápido.

Eu: Beleza, quando vocês tiverem chegando, me liga pra eu descer e esperar na portaria.

 

Em pouco tempo o carro encosta, a gente vai dar uma volta pela cidade e volto cedo pra casa. Mais alguns minutos de intervalo até o próximo telefonema:

 

Eu: Nossa, já tá em casa?

Ela: É, ele tem aula de manhã.

Eu: Ué, ele também é seu aluno? Você não está só com as turmas de supletivo à noite?

Ela: Não, esse aí tá na faculdade, não é meu aluno.

Eu: Bom, melhor assim. Um problema a menos desta vez.

Ela: E aí, o que achou?

Eu: Ah, sei lá... Você é quem tem que gostar, não eu. Já sabe que eu não reparo tanto, pareceu legal...

Ela: É, ele é legal, mas você não vai acreditar no que me disse outro dia.

Eu: O quê?

Ela: A gente tava conversando e eu usei uma metáfora, mas ele não entendeu.

Eu: Como assim, não entendeu?

Ela: Não sabia o que era.

Eu: Mas qual era a frase?

Ela: Não, ele não sabia o que era metáfora.

Eu: Como assim, não sabia o que era metáfora?

Ela: Pois é...

Eu: Peraí, ele não faz publicidade ou algum curso do tipo?

Ela: Faz.

Eu: Então, não dá pra fazer publicidade e não saber o que é metáfora. É impossível. Seria o mesmo que a gente ter feito artes plásticas e não saber quais são as cores primárias. Onde é que ele estuda?

Ela: Sei lá, esqueci. Das duas, uma: ou ele tá mentindo ou é burro mesmo.

 

Nesse momento da conversa, fica clara a dupla cilada: pra ela, porque está prestes a entrar numa furada, e pra mim, que tô com sono e não gostaria de discutir assuntos complexos: a educação brasileira, a diferença entre homens e mulheres, o caráter humano, etc. Opto pela leveza e a compreensão paciente:

 

Eu: Ixi, melhor desencanar. Não fica pensando muito e avaliando cada atitude do coitado. Conhece o cara primeiro, vai ver que você entendeu errado.

Ela: Não, eu entendi bem e fiquei tão chocada que nem soube o que dizer.

Eu: É... sei lá... um pouco grave isso, mas ele é um cara educado, não é do tipo troglodita, pareceu sensível.

Ela: Sensível até demais, será que ele é gay?

Eu: Não foi o que eu disse e isso é coisa do passado.

Ela: Do passado? E aquela sua amiga atriz, que foi traída por um engenheiro sensível que ficava com outro cara?

Eu: Você tá confundindo as coisas. O engenheiro é o que nunca tinha ido ao teatro. Esse outro era ator. Não era sensível, era indeciso. A gente o encontrou no McDonalds, com outra mulher. As más línguas diziam que ele ficava com outro cara. Não tínhamos como ter certeza porque não foi isso que vimos. Só ouvimos falar.

Ela: Sei lá. Ser traída é sempre ruim, não importa se foi por causa de outro homem ou outra mulher.

Eu: Ah, pra mim, faz diferença, sim. Só não sei o que é pior: ser traída por causa de homem e mulher ao mesmo tempo ou se o motivo é só um outro homem. Nos dias de hoje, em tempos de flex e trans, e considerando essa escala, ser traída por causa de outra mulher quase deixa de ser um problema. A menos, é claro, que seja por uma amiga. Essa deve ser a pior das traições e também é dupla: seu namorado com a sua amiga. Já pensou?

Ela: É... sei lá... Só sei que é o fim da picada ser chifrada no Mc Donalds.

Eu: Ah, pensa pelo lado positivo e estético. Pelo menos a situação combina com o lugar, é tudo trash. Você nem vai querer ir lá por um bom tempo, se estiver de dieta, é até bom. Poderia ser pior se fosse num restaurante bacana, se tivesse vontade de voltar pra comer aquela comida, o trauma a impediria.

Ela: Mas o que vocês estavam fazendo lá?

Eu: Ah... Foi muito azar. Ou sorte, sei lá... O cara mora em outra cidade, São Paulo tem milhões de pessoas e trocentos Mc Donalds. Nós só íamos dar uma paradinha no drive-thru para comprar uma água, depois da balada. Quando resolvemos descer para ir ao banheiro, demos de cara com os dois.

Ela: Esse mundo é pequeno mesmo...

Eu: Mas voltando ao assunto, vocês já dormiram juntos?

Ela: Já, foi mais ou menos. Tive que fingir.

Eu: Hmm... Logo agora, ainda no começo?... Sei lá... Vai ver ele tava cansado nesse dia...

 

Uma breve pausa do outro lado da linha diante das possibilidades pouco animadoras pra que estes encontros se transformassem num futuro relacionamento verdadeiro e bacana. Continuo com a minha perspectiva otimista corriqueira:

 

Eu: Lembra daquele meu amigo que levou a gente pro churrasco na chácara daquela menina que estudou comigo?

Ela: O que tem uma banda de blues?

Eu: É. Então, ele me deu uma dica valiosa. Disse que “homem que é homem”, só tem duas qualidades, porque se tiver a terceira é gay. Segundo ele, as mulheres precisam se convencer disso pra parar de sofrer. Não vamos encontrar um cara inteligente, bem humorado, sensível, educado, gentil, bonito, gostoso, bom de cama, etc, porque eles não existem. Só temos que escolher e reconhecer as duas qualidades preferidas ou possíveis...

Ela: É genial essa teoria!

Eu: Se ele tá certo, não vem ao caso, o que importa é que as chances de diminuir a frustração e ser feliz aumentam. Não é bom?

Ela: É, mas quais seriam as duas qualidades desse carinha?

Eu: Putz, não me faz pergunta difícil a essa hora da noite.

 

Percebo este pequeno deslize no meu objetivo “carpe diem, amiga. Invente e tente, faça um relacionamento diferente”. Sei que muitas mulheres, quando pedem a opinião dos outros, não querem, de fato, sabê-la. Desejam apenas falar e ter alguém que as escute. Sei também, por experiência própria, que em se tratando de relacionamentos amorosos, o conselho alheio é quase sempre dispensável. Todo mundo, seja homem ou mulher, só faz aquilo que quer. Tudo bem que esse “quer” é muito relativo... pode vir do instinto, da intuição, do coração, da formação cultural, da pressão familiar... Mas não tenho muito tempo a perder, e tento prosseguir, ainda com ares de estímulo:

 

Eu: Ó, pensa - a gente nem se conhecia e não houve dificuldades para conversar. É um cara simpático e gentil.

Ela: Puxa, que maravilha – um cara simpático e gentil! As mesmas qualidades do cara da padaria, que me atende toda manhã...

Eu: E qual o problema dele ser parecido com o cara da padaria? Outro dia você não cismou de transar com o pedreiro da sua vizinha, só porque ele era gostoso?

Ela: Tá, mas agora é diferente. Eu queria alguém pra namorar...

Eu: Mas você mal conhece o cara, como vai saber que vocês têm algo em comum. Vai devagar... Sem muitas expectativas ou exigências...

Ela: Olha quem tá falando, sem muitas exigências?

Eu: Ó, acho melhor a gente ir dormir porque amanhã acordamos cedo. Curte aí e sossega... Beijo!

 

Desliguei o telefone e fiquei pensando na possibilidade do mundo acabar em virtude de uma espécie de catástrofe natural, como a que extinguiu os dinossauros (tá, eu sei que esta hipótese é controversa, mas deu pra entender). Daí, milênios depois, arqueológos encontram um batom (será que plástico com uma pasta derivada de petróleo deve ser como as baratas e resistir ao tempo?) e tentam deduzir o modo de vida de uma mulher neste século. Como eles poderiam descobrir que minha amiga é “independente”? Que trabalha, dirige seu próprio carro quitado, que comprou e não atrasa as parcelas de seu apartamento, cujas paredes ela mesma pintou e abriga obras contemporâneas feitas por ela ou pelos amigos dos tempos da faculdade; que enfeitou a mobília com belos artesanatos confeccionados com suas mãos habilidosas ou comprados em viagens pelo país. Alías, tudo pago com seu mísero salário de professora de artes na rede pública, uma profissão tipicamente feminina que já foi digna de honra e hoje carece de prestígio. Certamente, os passeios só foram possíveis porque as crianças ficaram para depois. Não dá pra cuidar de mais de 1.500 por semana, voltar pra casa e contar história antes de dormir. Mesmo que seja para uma só. Até porque, a noite é destinada aos adultos que aprenderam a ler há pouco e não conseguem entender a relação entre as vanguardas modernas e a construção civil ou a cozinha de um restaurante. Muito trabalho pra fazer nesse mundo, mas qualquer um tem direito de se divertir de vez em quando! Tenho certeza de que foram viagens bacanas, porque nós voamos desacompanhadas e às vezes nos encontramos nesses parques nacionais pra fazer alguma trilha. Se a gente faz uma trilha com tranquilidade da mesma forma que vai sozinha ao cinema, a uma exposição ou espetáculo por que ela insiste em correr atrás dos homens desse jeito, sem muito critério ou instinto de autopreservação? Em segundos, minha especulação mental já estava prestes a chegar na teoria dos memes. Resolvi parar porque aí seria demais. Já passava da hora de dormir e a madrugada viraria aurora em breve.

 

Pouquíssimos meses mais tarde, um novo telefonema, agora com um tom pesado e aflito:

 

Ela: Você não sabe o que aconteceu?

Eu: O quê? Por que você tá chorando?

 

Vou pular os detalhes desta parte porque essa história já está longa pra internet, mesmo não tendo completado três páginas. Vamos avançar:

 

Eu: Calma, para de chorar e fala devagar pra eu entender direito.

Ela: Meu, esse cara é um idiota!!!

 

E assim o diálogo seguiu, com várias frases incompletas, sem nexo, seguidas de muita irritação. Desisti de tentar interromper, pra perguntar algo ou acalmá-la e lembrei que se tratava de uma amiga. Mulher. Ouvi todas as minúcias até o fim, em silêncio, pronunciando algumas onomatopéias apenas para confirmar a presença. Quando pareceu não faltar mais nada em seu depoimento, me arrisquei:

 

Eu: Querida, você tem certeza que vale a pena chorar por um cara que nem sabe o que é metáfora?

 

Uma única pergunta foi suficiente para a lamúria e a decepção se converterem em gargalhadas. Não tive mais dúvidas sobre o poder e a importância desta figura de linguagem!

Desde então, tenho a impressão que minha tabela zodiacal ficará sempre incompleta... Bem pouco íntegra. Talvez sem aspectos essenciais...

 

Afinal, o que é que a gente faz com algumas coisas fundamentais nessa vida, hein? Qual é o lugar das metáforas?

 

1995 leituras blog de tatirprado

Comentários

:)

ois,

emendei um papo no gtalk naquele dia e esqueci de compartilhar aqui:

- bom saber que diverte alguéns!

- não importa muito a classificação...

- as histórias que eu costumo contar se fazem na hora de escrever: um fato é o pontapé e os detalhes (res)surgem.

bjs

tati

Que delícia de texto!

Que delícia de texto! Sinestesia? :)

delícia

 Tati,

mais uma das tuas estórias que eu adoro ler!

Minha ignorância não me permite classificar. Se são contos, crônicas... Sei lá. Mas são muito boas!!!!

Conta o segredo, vai? Essa estória por exemplo, cê tava com tudo na memória?Todos os detalhes?!

Obrigado por um final de quinta-feira delicioso com essa leitura! 

:)