Jump to Navigation

Blog de tatirprado

sab, 21/11/2015 - 02:09

A culpa é de quem, hein?

Me lembrei de anos atrás, quando estava no cinema, vendo as primeiras cenas de "A Culpa de Voltaire" e ter pensado: taí, a Metareciclagem é como a França. Parece querer reivindicar para si a invenção da liberdade.

Apesar de tudo isso acontecer no século XXI, há um certo anacronismo e não linearidade nas memórias e acontecimentos. O filme ganhou o prêmio em Veneza no início, na década seguinte fez parte das salas de exibição no Brasil e a lista metarec ainda funcionava como um espaço de conversa, mas eu já pensava 'bem' antes de começar ou participar de alguma delas e por isso guardei essa interpretação comigo. Estamos mais perto da terceira década, esse site milagrosamente resiste e o assunto requer atenção, mais do que nunca.

O filme trata da vida de um imigrante tunisiano e começa com diálogos ensaiados para a entrevista do visto de permanência no país da liberdade, igualdade e fraternidade. Não vou dizer como termina, é claro. Mas isso é claro também, com a sutileza que a arte permite e a vida, nem sempre.

Diz-se que Voltaire teria nascido em 21 de novembro. Viveu muito pros padrões do século XVIII. Defendeu as liberdades civis, se insurgiu – através de sua obra – contra o poder do governo e igreja ao mesmo tempo em que aconselhava monarcas. Polêmica e contradição o rondavam, como é peculiar aos humanos, especialmente os que se atrevem.

Nenhum intuito de exaltar Voltaire. Até porque, depois de mais de dois séculos, é evidente que suas ideias requerem revisão e crítica. Reler cartas é sempre uma experiência singular. Mas trata-se de um personagem e tanto, que dá nome ao filme e aparece mesmo sem dar as caras.

Já sobre a Tunísia, pouco sei. O diretor do filme é de lá e vive na França desde criança. Do quase nada que conheço do mundo árabe, acho que gosto mais da ideia de escrita como desenho levada às últimas consequências. Seu nome fica bonito assim: عبد اللطيف كشيش. Não sei se sua dupla nacionalidade o ajudou a ganhar a Palma de Ouro em Cannes recentemente, mas a lista de contemplados tem pouca variação de países de origem. Algo, no mínimo, suspeito.

Sobre a Argélia, sei menos ainda. De lá que o personagem principal afirma ter vindo. E nessa conexão África-mundo árabe chegamos a hoje, 20 de novembro, feriado em São Paulo e alguns outros municípios. Um dia que tem gente capaz de querer intitular “Dia da Consciência Humana”, numa espantosa falta de senso do ridículo nas 'redes sociais'. Mais até do que postar foto de bebedeira na madrugada. Porque, pior do que não lutar por nada ou apenas por seus próprios interesses, é não compreender a luta do outro. Mesmo que racionalmente, através daquele entendimento raso da vida: o conhecimento que se adquire nos livros didáticos pra lá de controversos quando a sensibilidade de observar o dia a dia falta.

E nesse cotidiano contemporâneo que cansa, lembrei de Umberto Eco e sua recente declaração apocalíptica, sobre o poder das redes sociais “dar voz a uma legião de imbecis”. Como se a culpa fosse da tecnologia e não da condição humana... prova de que intelectuais não são deuses...

Difícil descobrir qual a maior imbecilidade presente nas redes sociais, mas certamente a prática de comparar e ranquear tragédias, cobrar ou acusar o outro por estar deste ou daquele lado – como se a terra não fosse redonda e a vida, um ciclo – está no topo da minha lista de hits.

Fácil entender porque uns assuntos têm mais visibilidade que outros: monopólio dos meios de comunicação, concentração de poder político, interesses corporativos, privatização da vida pública, o choque e a audiência que a violência direta, extrema e explícita provoca, o tal do meio ambiente que está em tudo e por isso se torna pouco perceptível, embora de 'meio' não tenha nada...

A cor da lama é de uma estética dura, rude e cruel, mas nem por isso menos bela. Glauber Rocha já mostrou isso faz tempo e seu filho Erik, em “Campo de jogo”, não nos deixa esquecer (a propósito, ali tem material suficiente pra pesquisar os caminhos do DNA num viés bem pouco biológico ou 'científico', só que isso é assunto pra outra hora).

*frame de “Campo de Jogo"

 

Curioso que a igualdade seja branca, uma cor que é a 'reunião' de todas as outras num misto de ausência e presença conceitual. Previsível que a fraternidade seja vermelha, como o sangue que vem de dentro, que impulsiona e mantém a vida. Intrigante que a liberdade seja azul, como o céu e sua amplitude distante.

Duas cores primárias e uma soberana na tela principal e outra telinha com a cor resultante da soma de muitos pincéis no mesmo copo, aquela cor-não cor. Uma contém essência, que faz gerar as outras cores-luz e tem a força de um símbolo. Toda vez que se ataca um símbolo, nossa vulnerabilidade fica muito mais evidente. A outra tem os elementos terra e água como essência, numa cor matéria. O que é denso nunca é simples de lidar.

E nesse dia a dia contemporâneo que cansa, chovem convites para estar nas ruas, desaguam motivos para ali permanecer: lama que devasta, água que falta, escola que se faz necessário ocupar, avenida que abre e se divulga fechada, manipulação das prioridades, proliferação das intolerâncias, parlamentar reencarnando direto da idade média pra idade mídia, vigilância dos corpos alheios, ainda a desigualdade de gêneros, de novo a guerra, mais uma vez as pequenas grandes batalhas...

Se fugir do chativismo sempre foi uma meta pessoal, o ativismo nunca foi uma ambição. Tanto pela escolha de não-rótulo quanto pela multiplicidade de causas e a dificuldade de escolher uma. Mas a urgência não permite a omissão. E se tem algo que aprendi aqui é a diferença entre essas duas posturas e que tipo de ativista desejaria ser, caso algum dia queira. Continuo com a perspectiva de defender a humanidade, como um todo, com a tática da persistência e a estratégia da sutileza radical – por mais esquisito que isso soe.

20 de novembro pra mim, aqui, é um dia de pensar sobre liberdade. Dia 21 começou como um dia de escrever cartas, portanto. Algumas estranhas, como essa. Porque a culpa – essa coisa católica – não é de ninguém, mas a responsabilidade é nossa.

Agora preciso ir ali, entregar umas flores... evocar mais energias positivas e pedir ajuda pralgum tipo de iluminação de outro mundo...

*frame de “La faute à Voltaire"

1508 leituras
qui, 01/03/2012 - 02:15

Sobre metáforas bélicas e outras cositas más...

 

Nos últimos tempos tive a oportunidade de me encontrar com metarecs pessoalmente, numa dessas obras do acaso. Sem planejamento detalhado, roteiro de visitas ou critério objetivo na escolha de cada uma delas, a única bússola que tinha eram a vontade e o risco: estarei na cidade, quem daqui está disposto a bater um papo?; topa contar um pouco sobre sua relação com a Rede MetaReciclagem?; essa Rede tem mesmo gente em todo país?. Fui gravando as conversas no celular para transcrever aos poucos e em breve ter mais algum material bacaninha lá pro Mutirão da Gambiarra (esse nome é o antigo, eu sei, mas mutgamb não é o que mais gosto, pois é bem menos sonoro e expressivo). Outra hora contarei mais sobre esses encontros fortuitos, com a devida atenção que merecem. Por enquanto, apenas agradeço, de coração, a todo mundo que me recebeu com enorme gentileza.

O começo da conversa era sempre o mesmo – a curiosidade sobre o momento de chegada na rede. E à medida que cada um ia contando sua história, a todo instante pensava em como eu vim parar aqui. Como ainda não há tecnologia para gravar pensamentos, imagino que seja adequado compartilhar essa história à moda antiga: escrevendo-a. Afinal, as relações são feitas assim, na base da troca. E as amizades, que se constroem a partir da confiança, também partem desse princípio: se você me conta uma coisa, eu também posso te contar outra.

A primeira vez que ouvi falar da MetaReciclagem foi quando estive no Barcamp em 2007. Na época eu estava numa pós em arte, educação e tecnologia e passava muito tempo na web. Como o curso era pautado numa estrutura de ensino ainda conservadora (isto é, naquele velho paradigma de transmissão e recepção de informação, apesar do moodle e toda aquela dinâmica de fóruns que caracterizam os cursos via internet), curti a proposta do Barcamp, de um aprendizado meio no escuro. Até onde eu me lembro o evento não tinha nenhuma intencionalidade educativa, mas eu atribuí esse outro significado a ele porque expressa bem a essência do aprender - descobrir, experimentar, se abrir para ouvir e conhecer, compreender que o outro sabe tanto quanto eu, ainda que sejamos muito diferentes, e o “pior” (ou o mais difícil de aceitar): o outro sempre tem algo a nos ensinar, mesmo que a gente não queira ou perceba.

As inscrições já tinham sido encerradas, mas escrevi para o organizador André Avorio e apareci na Cásper Líbero no dia seguinte. Ao chegar e me deparar com os krafts espalhados, inscrição me pareceu uma frescura. Por que um evento que mais parece uma reunião de diretório acadêmico (na mesma hora me lembrei dos não tão velhos tempos de faculdade e suas tradições atemporais) precisaria de inscrição? Fui olhando os papéis nas portas e entrei numa das salas, com a conversa já em andamento. Me instalei num cantinho fora da grande roda, ouvindo e observando tudo com atenção. Entre outras coisas, passava de mão em mão aquele laptop verdinho que deveria estar com as crianças na escola. Naquele dia aprendi uma lição importante que só reconheceria muito tempo depois: o mundo da tecnologia tem dessas coisas – elas precisam estar envoltas em uma mistura de polêmica, ideologia e o glamour do novo para ressoarem importantes e significativas. Mesmo que nunca sejam materializadas, o simples fato de terem sido concebidas já é o bastante porque a energia que faz girar esse planeta é o barulho. O falecido Steve Jobs é um dos que personificou esse modus operandi (não gosto deste termo meio arrogante, mas não me ocorre outro agora) e foi tão eficaz que influencia até quem tem absoluta certeza de que está em outro mundo, bem mais “livre”...

Como eu não sou lá muito afeita à moda e, por várias vezes, ela me desperta indiferença, repulsa ou birra, olhei de longe o tal laptop verdinho com total desprezo, sem nenhuma vontade de colocar a mão e experimentar (minha porção aquariana já tinha me levado ao evento, mas tirou um cochilo nessa hora). Resolvi me concentrar na fala das pessoas, dentre as quais estava o efe (naquele dia, Felipe Fonseca) e seu alerta para a necessidade de desconstruir as metáforas bélicas que povoam o mundo (público-alvo com pessoas a serem atingidas eram algumas delas). Ao longo do seu discurso, confesso que me distraí um pouco, dada a eloquência que me confundia: como alguém que se expressa de modo leonino poderia ter uma visão analítica tão aguda e crítica do mundo, já que essa é uma característica tipicamente virginiana? Pralém da obviedade do fato de humanos serem bichos, cujo instinto permite reconhecer rapidamente os seus iguais da subespécie astrológica, eu também trabalho com educação, muitos eventos, palestras e “quetais”. Nessa década e meia de atuação na área venho treinando a perspicácia de relacionar o que leio e ouço com o que vejo acontecer na prática. Como diz uma colega advogada, “no contrato eu posso colocar o que você quiser porque o papel aceita tudo” e aí eu sempre me pergunto: o que realmente estamos dispostos a bancar nesse universo de possibilidades? Em suma, a questão é o limite entre teoria e prática, o que se faz e o que se diz, o que se imagina e o que se realiza, o que se quer ser e o que se é.

Terminei, então, de ouvir as falas de cada um e ali fiquei até que a roda da desconferência terminasse. O fato de estar em eventos com frequência tem o “desprivilégio” de você não se deixar levar imeditatamente por qualquer ideia bacaninha que parece interessante. É preciso um algo mais pra eu poder me encantar, pois o que não falta é gente com boas ideias e ótimas intenções pro mundo melhorar. Aliás, nunca vi ninguém que não achasse que aquilo que faz é para transformar esse lugar onde a gente vive. O Nelson Rodrigues já dizia que toda unanimidade é burra, mas também foi ele quem disse que os medíocres são fundamentais. E, nós, pobre mortais nesse mundão de meu deus, ficamos com a difícil tarefa de discernir. Como a roda logo se desfez, não tinha muito tempo para devaneios e decidi que, de tudo o que acabara de ouvir, a MetaReciclagem merecia o meu benefício da dúvida.

Abrindo vários parênteses agora... outra coisa que considero muito importante (não só no trabalho, nos estudos, nas relações, mas na vida) é o quanto uma pessoa, ideia ou vontade têm de verdade em si. Não que eu espere encontrar A verdade (não acredito que haja apenas uma) ou saber se as pessoas estão falando A verdade (porque elas sempre acham que estão, ainda que seja uma verdade temporariamente necessária até que se possa dizer ou se encontre outra melhor e mais verdadeira), mas é uma questão de princípios (em tempo: princípio é também sinônimo de começo, ou seja, de onde se parte). Até hoje só encontrei um jeito de empreender essa busca: conversar com as pessoas ao vivo, escutando, olhando no olho, frente a frente. Por isso, fui lá e perguntei pro efe algo do tipo: como faço para saber mais? Ele me respondeu: entra no site da MetaReciclagem e me falou o endereço. Percebi que naquela hora não seria necessário prolongar a conversa. A verdade do discurso da roda já tinha se traduzido ali e duas frases foram suficientes para entender que efe acreditava mesmo no que dizia, sem intuito de convencer o interlocutor a qualquer custo, e não era da boca para fora. Então o agradeci, voltei pra casa e fui consultar o tal site.

Achei tudo muito confuso, difícil de localizar as informações relevantes e alguns arquivos que queria ver não abriram. Mandei um e-mail para o efe e ele sugeriu que eu fosse no Espaço Gafanhoto no dia seguinte para conversarmos melhor. Uma dessas interpéries da vida impediu que eu aparecesse e quase um ano e meio depois, com as urgências melhor administradas, as conversas por e-mail voltaram a acontecer e efe recomendou que eu me cadastrasse na lista de discussão da Rede MetaReciclagem.

Logo no início achei que poderia colaborar com algo que pudesse melhorar o site. Imaginava que nem todas as pessoas teriam a mesma paciência que eu, de querer aprofundar a pesquisa e as relações com a Rede antes de concluir à primeira vista que MetaReciclagem pode ser uma mentira. Uma parte é mesmo. Mas uma coisa é ser a mentira divertida, leve, despretensiosa e quântica, a ontologia da ficção. Outra coisa, bem diferente, é ser uma mentira ética. Talvez por conta daquelas preocupações com a(s) verdade(s), é que considero isso uma coisa bem grave. Mesmo pra mim, que venho do campo das artes e dou enorme valor às questões estéticas, admito que as éticas são prioritárias porque são elas que deveriam regular a vida social. O que eu ainda não descobri é como chegar nelas se, bem antes, as questões morais, as regras e os tabus ganham enormes proporções, eclipsando o que realmente importa.

Mais difícil ainda é fazer essa operação na lista de discussão desta Rede. Quase todo mundo que fala é tão convicto de sua disposição para abertura e defesa da liberdade, parece ter tanta certeza de que é imune aos tabus tradicionais, que, diante de tantas regras e moralismos disfarçados neste ambiente, eu não sei mais onde está o espaço para as novas ideias. A simples possibilidade da Rede MetaReciclagem ser julgada da mesma forma (por diversas vezes imprudente) que faz com tudo aquilo que está longe dela (sejam as pessoas, instituições, governos, partidos, empresas, iniciativas informais, outras redes, etc.) é algo que sempre me leva a pensar melhor antes de adotar determinados pontos de vista. O cuidado se repete quando vejo os mesmos julgamentos instantâneos serem dispensados aos próprios integrantes da Rede que se atrevem a compartilhar suas boas ideias e intenções na lista de discussão. As opiniões frequentemente desencorajantes surgem como se fossem disparadas por um gatilho, na velocidade de fuzis. Em pouco tempo se instaura uma batalha cujo objetivo parece ser eleger um vencedor para a discussão. Encontrar argumentos para comprovar aquilo que já se sabe e acredita parece valer muito mais do que debater ideias e ter disposição para mudá-las, inclusive as suas próprias. Daí a trédi morre do mesmo jeito que nasceu: condenada a priori. Nunca viveu, portanto. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que há muitos juízes na lista, quase ninguém parece acreditar no popular princípio básico da justiça: todo mundo é inocente até que se prove o contrário.

Dia desses foi um daqueles em que eu gostaria de ter sido mais eficiente na minha proposta inicial de melhorar o site para poder me descadastrar da lista de discussão sem a sensação de estar abandonando a Rede ou desistindo de fazer algo por ela. Mas a cada vez que vejo alguém ser lembrado de que a porta da rua está logo ali ou sair sem que outras pessoas sequer lamentem, me pergunto o que significa realmente aquela história de “tecnologia é mato, o importante são as pessoas” (que foi dita pelo dpadua e um monte de gente adota como assinatura). Se meu lado nômade é capaz de compreender que ir e vir é algo natural na vida e é também um direito-desejo fundamental, por outro, tenho a impressão que ninguém tem a menor importância para esta Rede. É uma espécie de “tanto faz”, que soa como soberba, pois na entrelinha está o fato dela continuar existindo porque suas crenças e premissas são maiores do que a possibilidade de se deixar afetar radicalmente por quem passa. Em outras palavras, a força do coletivo se sobrepõe à do indivíduo da mesma forma que em outros agrupamentos sociais bem convencionais (a gente, um aglomerado de pessoas físicas, é tão diferente assim de um partido político ou instituição e tem discurso próprio?). Eu não sou uma estudiosa de teorias das redes, mas alguém mais entendido poderia me ajudar a compreender se é tudo isso mesmo que dizem por aí. Sem jargão acadêmico ou falas prolixas em forma de redemoinhos que só levam a elas mesmas e ao próprio autor, de forma simples, para qualquer desavisado que cair aqui na leitura desse post poder sacar algo, por favor.

Ajudar a ganhar o Mídia Livre não foi suficiente para que o site virasse outra coisa talvez porque o que precisamos é mexer nos modos de se relacionar da rede metarecicleira. Desconfio que ainda não temos tecnologia para isso e suponho que as demais tecnologias que utilizamos e criamos abalam muito pouco essa dinâmica. Acreditava que investir na pluralidade de histórias metarecicleiras por meio do mutirão poderia ser algo revelador e muito interessante, o que, de fato, tem sido. Insuficiente, porém, para gerar movimento e interferir de forma significativa neste grande ecossistema em que me envolvi de forma absolutamente voluntária. Por minha conta e risco desde o início, eu sempre soube. Ninguém precisa me lembrar que posso sair a qualquer hora porque não esqueço. Não sou do tipo que diz “eu te amo” rapidinho e para qualquer um. Até topo dizer “abraços do bando” de vez em quando. Mas o “pode ir que eu nem ligo” já é demais, ofensivo, na minha perspectiva feminina da vida.

Assim que entrei na lista de discussão, também me cadastrei no antigo site do mutirão, aquele com logo preto e rabiscos. Neste mesmo período de iniciação, efe me transformou em editora, ainda que eu não soubesse bem o que isso significava. Sigo interessada nas narrativas metarecs e com energia para sair por aí coletando histórias de quem quer que seja. Minha única exigência é que seja ao vivo porque eu não quero nenhuma tela atrapalhando a visão. Eu não sei bem o motivo, mas olhando no olho e de frente, as pessoas se transformam em gentes gentis. Toda aquela aura pesada da lista de discussão se liquefaz e em nada parecemos com ogros, sem sensibilidade e delicadeza, tal como nos apresentamos ali, talvez por pura força do hábito ou receio da não-aceitação. Reclamar das reclamações alheias não me agrada, ao contrário, só irrita a mim mesma e aos outros. Permanecer em silêncio é, até certo ponto, consentir. Deve haver um caminho em que seja possível usar muito bem o direito à expressão, que já nos foi negado em história recente desse país, sem precisar gritar, banalizar o poder da palavra ou a necessidade contemporânea de emitir opinião definitiva sobre toda e qualquer coisa, inclusive sobre as que conhecemos bem pouco. Eu não sei bem para que serve a nostalgia, mas se eu pudesse voltar ao começo, preservaria minha disponibilidade de observação e escuta que me trouxe a essa Rede e também a emprestaria para quem quisesse usá-la de quando em vez. Se eu puder fazer um pedido para seu futuro, que seja a substituição da predisposição ao combate que vive em cada um de nós para fazer acordar o desejo pelo debate.

Há promessas de um encontro em Ubatuba daqui a poucos meses. Perto dos dez anos do Projeto Metáfora, que deu origem à esta Rede, para quem não sabe. Logo nos meus primeiros meses de vida nela, participei de um installfest lá no Parque da Juventude, depois veio o encontrão na campus party e outro lá no bailux, além de muitos outros que me permitiram encontrar muitas verdades e pessoas bacanas. Tenho certeza de que se não fossem eles, jamais teria permanecido. Certamente teria desistido toda vez que li algo absurdo ou pouco generoso na lista de discussão. Nessas horas sempre penso que o mundo pode acabar naquele átimo e futuramente um arqueólogo vai localizar fósseis digitais, concluindo que sou exatamente aquilo por ser membro do mesmo grupo. Mas como eu sei que o contato via internet será inevitável, queria fazer um segundo pedido como presente de aniversário para esta Rede: que a gente consiga romper não só com as metáforas, mas também com as atitudes e impulsos bélicos.

E como em todo conto de fada temos direito a três pedidos, por enquanto vou guardar o terceiro. Nessa jornada de transformar o mundo a gente pode precisar dele num momento decisivo. Por ora, sem ajuda dos deuses ou qualquer truque de magia, vamos usar nossa própria energia e, ao menos, nos esforçar para sermos alguéns melhores...  

2556 leituras
qua, 23/02/2011 - 02:55

Exercício#1

 Eu sei que o que vocês fizeram na primavera passada...

1673 leituras
qua, 23/02/2011 - 02:51

Ponte etérea: Santarém-Holanda

No piquenique no Parque do Ibirapuera, no encontrinho do Mutsaz Outono do ano passado, conheci a Ellen. Vindo da Holanda, já tinha dado uma boa volta por essas terras e conhecido a Casa Puraqué, no Pará.

A minha curiosidade e a vontade de ir a Santarém pra olhar com mais calma o que rola por lá já tinha sido despertada no ano retrasado, durante o Encontrão Metarecicleiro na Campus Party, com o breve olá do Gama. Na falta de uma oportunidade concreta de ver tudo bem de perto, aproveitei a experiência da Ellen pra reavivar o gostinho de mistério.

Conversas outras rolaram e nunca passaram perto daí, até que resolvi retomar o texto que ela havia publicado em inglês no mutsaz. Achei que traduzi-lo e juntar com algum depoimento ou imagem dos puraque@anos seria bacana. Faria uma pequena costura de lugares, vontades, universos e ações aparentemente desconectados. Um desses encontros bem desencontrados, tão comuns no universo metarecicleiro e sua multiplicidade de hyperlinks e nexos pouco evidentes.

Enquanto espero pelas vozes e olhares puraqueanos, fico com o da gentil visitante:

 

 

Geeks amazonenses e ativismo social em Santarém
 

Na metade da minha pesquisa sobre apropriação de tecnologia alternativa em Santarém, Pará, eu percebi que de fato algo mudou aqui. No decorrer dos últimos oito anos, redes de ativistas sociais se expandiram pela cidade. Conduzidos principalmente por um grupo de ativistas midiáticos, estas visam à apropriação de tecnologia alternativa e construção da cidadania por toda a região amazônica.

O catalisador por trás disso tudo é o Puraqué. O puraqué é um peixe que vive no rio Amazonas e causa um choque elétrico quando tocado. Eles adotam este nome uma vez que pretendem despertar as pessoas por meio de um choque de conhecimento
 

Seu principal objetivo é a transformação através da apropriação de tecnologia alternativa. Cerca de oito anos atrás, quando começaram seu projeto, foram os primeiros que trouxeram software livre para a cidade. Para eles, o aprofundamento e um meta-conhecimento da tecnologia possibilita aos novos usuários fazer algo concreto com a tecnologia.
 

Nós queremos contaminar pessoas com o “vírus da Cultura Digital” e com a filosofia do software livre, porque durante a revolução do conhecimento o computador se tornou a ferramenta básica que concentra todos os meios de produção multimídia. Além disso, o computador é uma ferramenta incrivelmente poderosa para o aprendizado, comunicação, troca de ideias e para compartilhar informações. As pessoas precisam entender que de outra maneira nossa sociedade nunca se desenvolverá do modo como queremos. O que nós devemos destacar aqui é que enquanto estivermos submetidos ao processo predatório (mineração, desmatamento, soja) traremos mais e mais miséria para nossa região.1


Eles estão cansados de ser explorados pelos recursos que a área contém e querem que o conhecimento se torne a principal característica da região. Conhecimento em tecnologia, mas também a filosofia do software livre numa sociedade capitalista e a consciência sobre os danos ambientais que o lixo eletrônico causa. Portanto, por meio da “contaminação” e educação dos outros, o conhecimento aumentará exponencialmente por toda a região.
 

Uma das coisas que eu descobri e que me interessa particularmente é como eles se mantêm sem qualquer renda significativa. Todos trabalham voluntariamente e dependem das doações de equipamentos usados feitas por empresas ou pelo governos para continuar seus projetos. O que significa que a falta de recursos dificultaria as atividades. Logo, eles oferecem (freqüentemente como voluntários) workshops e cursos e aplicam sua metodologia em escolas públicas com salas de informática (nem todas têm tais laboratórios) e nos Infocentros (centros computacionais implementados e financiados pelo Navegapará, um projeto do governo estadual do Pará). Deste modo, eles recorrem a projetos top-down que são sustentáveis (especialmente em escolas públicas, já que as eleições podem colocar em risco a existência destes projetos) e as hackeam para fazê-las adotar sua metodologia e ideologia, conseqüentemente passando-as aos seus alunos.

 

Isto explica porque os Infocentros de Santarém trabalham de forma diferente, por exemplo, da capital Belém. Os puraquean@s me asseguraram que eles já treinaram mais de três mil pessoas nos últimos oito anos. Nos dois últimos anos a equipe consistiu de aproximadamente cinquenta pessoas. Recentemente o grupo central do Puraqué encontrou trabalhos na área de TIC para todos eles, a maioria como monitores nos Infocentros. Obviamente estas pessoas têm um conhecimento aprofundado em tecnologia, uma vez que aprenderam princípios de programação usando software livre, tendo feito muita MetaReciclagem e passado por um intensivo processo de aprendizagem. Diferente do Belém, em Santarém os monitores ensinam aos usuários dos Infocentros os princípios básicos de tecnologia open source por meio de um curso básico de informática e um diálogo socio-político sobre tecnologia. Hoje, vários monitores dos Infocentros in Santarém estão planejando oferecer um curso de informática avançado também. Isto significa que quem quiser pode levar seu conhecimento além de usar Orkut e MSN.

 

Em vez de visitar os Infocentros para o uso livre dos computadores e Internet, é preferível ter um curso básico. Durante algumas aulas de informática básica para crianças e idosos, eu me dei conta de como é importante ter um pouco de conhecimento sobre como usar as TICs, como funcionam e em quê usá-las. Especialmente para aqueles que são tímidos, inseguros e têm medo da tecnologia. Isto é, são freqüentes os casos de mulheres mais velhas, pessoas que permanecem encarando suas telas sem fazer nada, já que muitas vezes costumam não tocar ou fazer qualquer coisa sem permissão. Elas temem fazer coisas erradas ou danificar o equipamento. Ou ainda elas têm medo de tecnologia em geral, pois não sabem como lidar com isso. Isto significa que, sem um curso, elas não entrariam num Infocentro ou cybercafé, porque, primeiro, elas não sabem como usar a tecnologia, e, segundo, elas não sabem em quê utilizá-la. Elas não têm ideia do que fazer com algo que parece tão natural para nós, como por exemplo o Google Talk. Elas me perguntaram quando mostrei como usá-lo: “Mas o que eu devo dizer?” ou “Devo ser formal ou mais informal?”, até mesmo quando elas batiam papo com seus colegas de curso.
 

Além disso, muitos dos professores de outras iniciativas de inclusão digital, como Casa Brasil e o Pontão de Cultura Digital Tapajós – projetos do Ministério da Cultura sediados em várias cidades do país – se juntaram ao Puraqué e são treinados por ele. Portanto, o Puraqué garante um emprego e um salário para estas pessoas quanto à expansão de sua ideologia e metodologia através da região. Cada vez que um novo curso começa, a primeira aula explicará detalhadamente porque e como usar software livre. Somente após as primeiras aulas introduzindo a filosofia do software livre, eles começam a aprender como usá-la de fato. Aqueles que não estão interessados nesta história e querem apenas usar a Internet não continuarão o curso. Isto significa que aqueles que eventualmente ficarem e concluírem o curso, abraçam a filosofia e, portanto, estão mais propensos a difundi-la. Portanto, o que é sustentável, não é tanto o projeto atual, mas sua metodologia que se expande cada vez mais na região.
 

Concluindo: o que me impressiona mais até agora é que, na verdade, as pessoas passam por uma transformação social. Não porque experimentam o acesso às TICs, mas porque aprendem sobre ela e seu uso as estimula a perseguir seus sonhos ou, simplesmente, ter sonhos. Isto porque as ações focam principalmente os grupos marginalizados, muitas das crianças vivem em situação de pobreza e elas não são encorajadas a continuar estudando depois do ensino médio, o trabalho físico desgastante ainda é freqüentemente mais valorizado que uma carreira em TICs. É esperado que as meninas casem cedo e tenham uma família. Muitas não terminam o ensino médio porque engravidam e muitos garotos acabam em gangues e no tráfico de drogas. É claro que não escolhem essa vida e os cursos no Puraqué permitem que eles percebam que podem fazer algo de fato, que eles têm talentos, que conhecimento é valioso e que podem usar a tecnologia de forma profissional. Isto resulta em muitos dos novos puraquean@s estudando na universidade federal e estadual, em muitas das vezes em áreas relacionadas a TI. Entretanto, a melhor prova e o efeito deste conhecimento e conscientização é a diferença que eu percebi na autoestima entre pessoas que estiveram envolvidas neste projeto e as que não estiveram, especialmente quando converso com vários santarenhos sobre suas experiências. Uma ex-puraqueana me contou que não conversaria comigo antes de começar a freqüentar o Puraqué, pois sentiria uma grande distância entre mim e ela, por ser tão tímida. Ao passo que aqueles que não têm uma experiência como esta, permanecem vivendo na ignorância e aceitando a desigualdade social porque não têm meios para resistir. Ex-puraquean@s agora são pessoas (às vezes muito jovens) que sabem o que querem, são autoconfiantes e desejam aprender mais. Pessoas que de fato perceberam que têm potencial.

1 Entrevista com Dennie Fabrizio em “A rede”, 08/02/2010. Link visitado em 12/05/2010.

 

 

 

2387 leituras
qui, 23/12/2010 - 21:38

Metáforas...

Outro dia me peguei pensando na relação entre os signos astrológicos e as figuras de linguagem. Estava associando uns aos outros, na tentativa de encontrar os melhores pares. Sabe aquelas listas das revistas de sala de espera, nas quais você vê: o presente perfeito, a cor preferida, o jeito de amar, o tipo de beijo, a roupa certa, a flor mais indicada, o número da sorte, o dia da semana, o pai, a mãe, o bebê, o parceiro ideal de cada signo? Pois é...leia mais

1995 leituras
qua, 01/12/2010 - 03:25

Fala, Régis!

 teste - índice de posts bailux

1669 leituras
qua, 30/06/2010 - 00:15

Fala, Brazileiro!

1707 leituras
qui, 27/05/2010 - 20:40

Folhas da última estação

Tava pensando nesta história do outono ser a estação das folhas e nas imagens que me vêm à cabeça. Engraçado que a memória inicial traz uma experiência não vivida, pois aquela cor - amarelo queimado, um vermelho esmaecido - típica do plátano, folha-símbolo da estação, não tem a ver com algo que tenha visto com "as mãos", só com "os olhos":  desenhos, ilustrações ou fotos de lugares pra onde eu não fui.leia mais

1902 leituras
sex, 12/03/2010 - 17:50

Chat: H&MG&R

Hamlet: Não estás vendo nada ali?

Rainha: Absolutamente nada, mas tudo o que há eu vejo.

 leia mais

1631 leituras
ter, 02/02/2010 - 21:35

Cor e sabor na cparty

1730 leituras
Conteúdo sindicalizado