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Aprendizado distribuído – expandindo um comentário
Me interessei pela reflexão sobre aprendizado distribuído ainda no ano passado e o diálogo começou de modo bem modesto, com um simples comentário sobre “conteúdo” (ou tipos de conteúdo). Ele tinha uma entrelinha oculta que assim permaneceu até então: para mim, a divisão de um assunto em partes faz as vezes de uma lente (pode ser de um microscópio ou grande angular), ou seja, foca-se uma coisa para que se vejam alguns detalhes ou novos “prismas”, com a consciência de que há um “todo” envolvido e que ela não pega, mas ajuda a ressignificar. A resposta do efeefe ao meu comentário [http://rede.metareciclagem.org/blog/23-09-08/A%C3%A7%C3%A3o-em-rede-e-aprendizados#comment-31], de certa forma, reafirmou a entrelinha, sem, no entanto, torná-la explícita. Ele revelou o todo novamente e achei que naquele momento a discussão tinha completado um ciclo, ainda que curto.
Desta vez tal entrelinha se desfez, mas retomo a reflexão a partir da mesma metodologia cartesiana das subdivisões e de uma frase de outro “rascunho” [http://rede.metareciclagem.org/blog/24-09-08/Mais-rascunhos-sobre-aprendizado-distribu%C3%ADdo]: O aprendizado distribuído se parece com, mas não é somente, o aprendizado informal. O que ele tem de diferente é justamente a estrutura descentralizada em rede, que induz a uma pluralidade de aprendizados informais.
As tais subdivisões, propostas por Almerindo Janela Afonso e indicadas no livro Educação não-formal – cenários da criação, são:
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Por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas escolas.
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(...) a educação não-formal, embora obedeça também a uma estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto.
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(...) A designação educação informal abrange todas as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo permanente e não organizado. (…)
Minha passagem pela escola regular (ensino básico) foi rápida porque achei que poderia contribuir mais com a educação formal estando fora dela e há muito resolvi tangenciá-la. O caminho foi óbvio, tentei sair pela “negação”: fui parar na educação não-formal, que me parecia mais receptiva à experimentação e trazia a utopia da liberdade. Na verdade não saí ou fiquei em lugar nenhum, escolhi ser educadora e estar professora, gestora, oficineira, coordenadora, representante institucional, articuladora, propositora, mediadora, produtora... depende da hora e das circunstâncias... os papéis mudam porque a vida “se mexe”.
O fato é que estar nos dois primeiros “espaços de aprendizagem” (dando aula, tive que colocar um título neste conteúdo para “avisar” meus alunos e na época achei que o termo “espaço” dava conta do recado por ser amplo o bastante e por integrar as coisas) me proporcionou aquele famoso exercício da dupla identidade-alteridade. Isto é, pude pensar na construção da identidade destes espaços a partir das diferenças existentes entre eles. E para reconhecer as diferenças também é necessário perceber as semelhanças. É por essas e outras que fico vagando entre o todo e “as partes”... sob esta influência gestáltica que ronda o meu jeito de aprender e olhar pro mundo...
Portanto, numa sucessão de repetições metodológicas e dualidades fico pensando nesta história do aprendizado distribuído se parecer com, mas não ser o aprendizado informal. E este “detalhe” me pega. Tenho uma coleção de frases e uma delas diz assim: “O detalhe é a alma da fantasia”...
Quando leio a definição de educação informal proposta pelo Almerindo Janela me pergunto: o que o aprendizado distribuído tem então de especial ou específico? A pluralidade já não era inerente à vida das pessoas antes deste “fenômeno” (ou moda?) das redes? A internet (que não é sinônimo de rede, mas quase virou) a teria “apenas” potencializado? Ou ainda, a internet teria somente evidenciado a descentralização e a simultaneidade das possibilidades de aprendizagem?
Na falta de outra definição teórica satisfatória para aprofundar o debate e os meus próprios questionamentos, resolvi voltar para o óbvio novamente: as minhas experiências, ou melhor, as (con)vivências. Sou simpatizante dessa lógica antiga de achar que as teorias surgem das práticas. Sei que retomar Newton é pouco original e pode até pegar mal hoje em dia, mas gosto daquela lenda de que o insight sobre a lei da gravidade surgiu com o próprio observando a queda da maçã de uma árvore. Além disso, dizem (e o Capra confirma n´O ponto de Mutação) que a física é a mãe das ciências... recorrer aos clássicos pode ser adequado... cômodo, quem sabe... No mundo contemporâneo as teorias adquiriram vida própria, taí a semiótica pra não me deixar mentir. As teorias só não são mais autônomas porque dependem de outras (e da academia) para sobreviver (ou seria “subexistir”?). É por isso que eu curto as práticas, elas sempre vão existir livre e autonomamente, com teorias ou não.
E a experiência/prática/(con)vivência que eu escolhi recuperar para pensar em aprendizado distribuído foi a construção das respostas para o edital dos Pontos de Mídia Livre. Falo em construção e não em simples preenchimento porque foi assim que o processo se deu. A primeira etapa e mais difícil é a decisão: vamos ou não participar? Acho isso difícil porque é uma pergunta colocada para uma lista de discussão que tem mais de trezentas pessoas e pouco mais de 1% responde. Este é, portanto, o primeiro enigma que se apresenta para mim neste lance das redes: como tomar decisões? Um enigma que se desdobra em outros: Como se pensa em democracia e descentralização ao mesmo tempo? Como se dão as relações sociais nestes grupos? Qual a diferença entre liderança e hierarquia neste contexto? O que é representatividade na escala da internet? [conversando com um amigo na semana passada, a gente “inventou” um evento com estas discussões...]
Mesmo com estas perguntas pairando no ar, meu impulso à ação continuou madrugada adentro. Uns desenhos-esquema, uns tópicos, algumas viagens... efeefe e eu acabamos num texto colorido que tentava documentar o processo de pensar e em determinado momento começou a confundir (não a ponto de impedir a inscrição no edital). O fato é que entre um e-mail e outro, entre passar de uma cor a outra, muita coisa acontecia. Aprendizados, sem dúvida. Para mim, um deles (e só vou citar um aqui) foi a concretização de um processo que já vi começar muitas vezes e sempre acabava mal. Não só mal, rompiam-se relações por causa dele. Nunca vi um texto ser escrito, efetivamente, com mais de uma mão. Em todos os momentos em que este processo foi iniciado, a certa altura o pretenso autor dizia: “peraí tão mexendo na minha criação”. O depois tinha várias formas: não brinco mais; tá bom, vamos acabar logo com isso; não concordo, mas você tá pagando; desse jeito não dá para trabalhar. E todas as formas, a meu ver, tinham a mesma gênese: a falta de hábito com processos colaborativos.
Nestas experiências com fim trágico, é importante dizer, existia uma hierarquia declarada: o autor, o consultor, o doutor, o especialista... e os outros - “palpiteiros”, simplesmente. Já neste processo de responder o questionário do edital, o começo foi diferente: eram apenas duas pessoas. Com repertórios e trajetórias diversos, é claro, com proximidade maior ou menor com os assuntos - aspectos que talvez permitissem a delimitação de uma hierarquia. Mas o caminho foi outro, tanto que resolvi identificar um dos últimos arquivos com as versões finais do texto pelo codinome P2P. Eu já disse aqui o que penso dos detalhes, mas ainda não falei das sutilezas. E acredito que o aprendizado depende delas. Talvez tenha ver com outra frase deste “rascunho” [[http://rede.metareciclagem.org/blog/24-09-08/Mais-rascunhos-sobre-aprendizado-distribu%C3%ADdo] que citei como base, logo no início: O aprendizado distribuído não é o autodidatismo. É um aprendizado em grupo, mas não somente no grupo. É orientação inconsciente ao aprendizado. Para mim, a diferença entre um educador e as demais pessoas (eu acredito que aprendemos por meio das relações) é o seu grau de consciência. Em outras palavras, quanto mais consciente de nossas intenções e metodologias, mais próximo estamos de ser educadores (quando desejamos ser um deles). E nesta perspectiva fica difícil considerar que o aprendizado se dá de forma inconsciente. É por isso que eu prefiro, por ora, o termo “sutileza” ao “inconsciente”.
Desvios à parte, volto ao tal “P2P” e a experiência que me fez pensar em aprendizado distribuído (aliás, só me cadastrei nesta conectaz depois do Midia Livre). Também não o usaria como sinônimo de autodidatismo ou o limitaria ao “em grupo”. Fico pensando agora se um aprendizado legítimo se dá na superficialidade das relações. É evidente que a convivência em grupo (numa lista de discussão, por exemplo) proporciona inúmeras oportunidades de aprendizado. No entanto, me pergunto, em que momento ou circunstância se avança por camadas mais profundas ou consegue transformar em ações as ideias lançadas/capturadas aleatoriamente nas redes. Este questionamento, na verdade, antecede um novo processo que está rolando/por acontecer e que exige conexões simultâneas e “P2Ps distribuídos”... Ou, como o codinome do arquivo final diria: P2P2P...
Vou terminando este post com a sensação de ter falado de aprendizado distribuído de uma forma muito indireta. Tampouco concluí algo sobre a diferença entre “parecer com” e “não ser” o mesmo que informal. Porém, ele se tornou necessário, como uma espécie de ritual de passagem entre um edital e outro. Mas insisto na estratégia da entrelinha e do não-dito como motivações para o próximo post...
Comentários
entre linhas
tem um monte de coisas pra pegar aí no meio. uma delas, acredito, é o lance do aprendizado distribuído ser em grande medida informal, mas que existe uma certa 'formalidade' (uma forma, um delineamento de estrutura) que, no entanto, não permanece. digo, olhando de longe o lance tende ao caos, mas na minúcia, no particular, tem um tipo de estruturação que é plural (cada pessoa pode ver a estrutura de uma forma diferente), e impermanente (pode acabar no minuto seguinte).
outra coisa é o paralelo entre 'ser educadorx' e a consciência do lance. no aprendizado distribuído, muitas vezes as pessoas ensinam outrxs sem nem perceber. isso, claro, acontece sempre, mas aqui a gente tem essa perspectiva da rede que quer entender justamente isso, entre outras coisas.
faz sentido?
---
efeefe
http://efeefe.no-ip.org
entre linhas... anos-luz depois
faz sentido, sim.
o que eu fico pensando é se/o quanto esse caráter líquido/impermanente da estrutura influi/determina a "inconsciência" do aprendizado. ou ainda, se a informalidade traz consigo um conjunto de estruturas (plurais e impermanentes), sem que isso a descaracterize (ou seja, sem que ela deixe de ser informal e continue contendo "formalidades" inerentes).
quanto ao lance do educador e seu grau de consciência, me pergunto se estaríamos diante da mesma "dimensão quântica" do conteúdo que você citou antes. ou talvez, se estaríamos diante da mesma coisa que, na visão de alguns, inaugurou o paradigma da arte contemporânea ainda no modernismo. falemos do óbvio: marcel duchamp e sua "fonte". a intenção do artista em "re-apresentar" um objeto cotidiano a seu modo legitimou seu status artístico. avançando no tempo, temos o arthur bispo do rosário, que não tinha a intenção de produzir arte, mas foi legitimado pelo contexto.
portanto, num paralelo entre as duas premissas, se o educador tem a intenção de sê-lo, ele é; ao mesmo tempo, há pessoas que não pretendem ser educadoras, mas podem ser reconhecidas/vistas como tal, isto é, serem colocadas nesta posição pelo entorno (um indivíduo, um grupo, uma situação, etc.) e aí rola uma oscilação... onda-partícula... matéria-energia...