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qui, 27/05/2010 - 20:40

Folhas da última estação

Tava pensando nesta história do outono ser a estação das folhas e nas imagens que me vêm à cabeça. Engraçado que a memória inicial traz uma experiência não vivida, pois aquela cor - amarelo queimado, um vermelho esmaecido - típica do plátano, folha-símbolo da estação, não tem a ver com algo que tenha visto com "as mãos", só com "os olhos":  desenhos, ilustrações ou fotos de lugares pra onde eu não fui. O outono que conheço, de corpo inteiro, tem um céu colorido, com um sol que não esquenta. Do jeito que eu gosto. Um leve ventinho frio no fim da tarde. Um dia bonito e agradável. É quando eu acordo disposta e volto pra casa igualmente feliz.

Acho intrigante essa história de pensar no modo como "construímos" experiências e vivenciamos situações. O máximo de "outono das folhas caindo" que me lembro vem do desenho do Pica-Pau, um dos episódios em que ele não aparece. Me recordo dos ursos espetando camadas e mais camadas de folhas no parque. Nunca achei que isso existisse "de verdade" até duas semanas atrás, quando vi um funcionário da prefeitura isolado num canteiro entre vias expressas recolhendo meia dúzia de folhas com aquele "cabo de vassoura e prego na ponta". Sei lá como se chama essa "ferramenta"... Pra mim, tem cara de descoberta "ao acaso" e não de invenção... Tem cara de gambiarra. Alguém deve saber de onde vem isso, mas não sei se consta no Gambiologia - codinome volume 1, aqui interpretado como "compêndio", por minha conta e risco.

Nunca gostei do Sr. Hehehe, desde criança, detesto esse negócio de querer se dar bem a qualquer custo e sacanear os outros. No caso desse cabeça vermelha  é ainda mais irritante porque ele ri sarcasticamente depois de suas peripécias. Tentei mudar de ideia e passar a gostar um pouquinho desta personagem quando, mais tarde, descobri que ainda na década de 50 havia experiências com o desenho animado do Pica-Pau e live-action.  Achei curioso isso. 20 anos depois do primeiro filme com som exibido no cinema e essas brincadeiras entre linguagens estavam rolando... Mas pensando bem... 20 anos é o mesmo intervalo de tempo entre meu primeiro computador e hoje. A história do primeiro é longa e não cabe contá-la agora, mas o fato é que entre a tela verde de outrora e a colorida de agora, o termo "rede" ganhou enorme destaque.

A MetaReciclagem é uma dessas coisas que se posiciona não só como Rede, mas como uma "rede aberta". Eu custo a entender o que isso realmente significa. Logo no começo, quando cheguei, fiquei bastante espantada. Achei que estivesse numa vertente contemporânea da Ku Klux Kan, tamanha a recorrência das pequenas e grandes intolerâncias. Mesmo sendo múltiplas, aparecendo em vários assuntos, expressas por pessoas diferentes e espalhadas em momentos diversos, ainda assim me chamavam a atenção. As minhas perguntas internas eram: como pode uma rede se dizer aberta, se a cabeça das pessoas não está aberta? Abrir os códigos das máquinas e procedimentos é suficiente? Como se operam as mudanças de pontos de vista, afinal? Até que ponto é possível aceitar apenas o potencial de algo?

Em pouquíssimo tempo de convívio o incômodo já era grande o bastante para querer desistir e brincar em outra rua. No entanto, achei que esta seria uma atitude bastante cômoda da minha parte: julgar o terreno conservador, intolerante e ser igualmente intolerante, saindo logo sem falar nada, ouvir direito ou conhecer melhor o ecossistema. Decidi ficar e tentar entender o porquê dessa impressão. Resolvi começar pelo óbvio: o nome "lista de discussão", a minha segunda porta de entrada pra Rede. Comparei-a com outras poucas das quais participo. E a da MetaReciclagem fazia jus ao nome "discussão", mesmo com pequenos deslizes e confusões entre debate e deBATE. As demais preferem se ater ao nome "lista" e o segundo termo varia: de informações, de conversa de elevador, de providências, de atualidades, etc.. Numa análise mais estrutural, continuei a comparação e notei que havia uma diferença fundamental: não existia moderação formal. Há, sim, uma mediação ou liderança explícita, por vezes compartilhada. Mas não havia aqueles recados sobre a necessidade de aprovação ou a prática da liberação de conteúdo. Tampouco havia uma conivência do grupo em chamar o "responsável" no primeiro indício de conflito ou discordância, depositando sobre o moderador uma expectativa de julgamento. Há, sim, uma passividade e dificuldade com relação às tomadas de decisão e concretização de ações coletivas transversais ou outras, bem mais simples.

Aos poucos, fui transformando a impressão do incômodo e escolhendo acreditar que o motivo de tantas intolerâncias não era exata e exclusivamente por conta das pessoas inscritas na lista (é desnecessário, mas prudente, dizer que faço parte da Rede e o olhar é dúbio mesmo: estou dentro e fora, se assim quiserem entender os conservadores de fronteiras).

Sabe aquele lance da influência do meio? É como usar transporte público em São Paulo: pegar ônibus e metrô são experiências completamente diferentes e a postura das pessoas muda - não dá pra acreditar que a mesma população joga o lixo no lixo do metrô enquanto os ônibus mantêm suas casinhas de barata; não dá pra acreditar que a cidade está sendo gerenciada pela mesma equipe quando se pensa na qualidade do serviço prestado por cada "parte" do sistema. Voltando... acho que a MetaReciclagem tem se esforçado para garantir espaços de liberdade e essa premissa dá margem para que os "preconceitos" e "radicalismos" apareçam "sem medo de ser feliz". Mas é bom considerar que essa coragem e força podem estar relacionadas às características deste meio específico - mais aberto e menos hierárquico - ou por sua supervalorização, porque faltam brechas nos outros, em que a barbárie permanece oculta pela civilização, em que as regras têm mais importância e visibilidade que os princípios.

Lembrar de tudo isso hoje, quase dois anos depois de chegar,  faz sentido pra mim não apenas pra rever e tornar públicas as perguntas iniciais, mas também porque nesta estação, a forma que garantiu presença não foi a do plátano e a cor não foi a do meu céu azul-feliz. A folha que fez sucesso foi mesmo a cannabis, com as pequenas e grandes intolerâncias marcando tendência, desfilando majestosas.

A ideia, de novo e sempre, não é julgar as pessoas e suas opiniões. Mas é tentar entender de que maneira a Rede e suas características contribuem para a transformação social. Sim, a MetaReciclagem, que se auto-denomina "rede aberta",  também almeja a transformação social. E o assunto tratado nessa trédi trouxe à tona um cenário complexo e comum a muita gente. Gente de todo tipo, se assim quiserem ver os cartesianos. Não sei o impacto e a importância desta discussão pra cada um, que se pronunciou ou apenas leu. Mas tenho curiosidade em saber se houve mudança efetiva de ponto de vista. Eu, por exemplo, não tinha opinião concluída sobre o assunto e assim permaneci depois de todo o barulho profícuo. A movimentação intensa não deu conta de construir ou desconstruir a ponto de exigir uma reconstrução.  É evidente que o processo, de agregar e repensar, foi válido: adquiri novas informações, me espantei com pontos de vista que não imaginava existir, me surpreendi com termos e posturas que considerava ultrapassados, me cobrei atenção diante de conclusões proféticas e certeiras ou liberalismos aparentes, me perguntei "o que é 'metareciclar ideias', meu caro Watson?"

Por um lado, poderia dizer que as discussões não levam a lugar nenhum. As pessoas não mudam suas crenças, hábitos e valores facilmente. A sociedade não se transforma por causa de um conjunto de trédis ou acúmulo de posts, num piscar de olhos (hmmm... talvez esta discussão esteja rolando aqui mesmo, desde a última estação e continue na próxima). Por outro lado, quando tento recuperar a sensação de dois anos atrás, a de querer desistir, vejo que não dá. Não dá porque a sensação mudou. Desta vez me deu preguiça de entrar na discussão. Preguiça não é o mesmo que impaciência e pouca disponibilidade com processos coletivos com pessoas absolutamente desconhecidas, como era no início.  Houve mudança, portanto. Hoje talvez tenha substituído a ideia de "Ku Klux Kan contemporânea" por algo mais sensato e menos impactante. Descobri um nome melhor, dias depois, numas outras trédis em que o "fundamentalismo metarecicleiro" (um termo bem mais sereno, tal como o "autor") deu o ar da graça de novo, mas a supernova foi mais branda. Tenho dúvidas se preguiça é algo digno de "comemoração", é claro, mas sei que ela é circunstancial. O que estou querendo compartilhar e tornar visível são as micromudanças. Se houve em mim, houve também no ecossistema porque sou parte dele. Acho. Como se operam mudanças maiores, não sei. Por enquanto. Quantas estações são necessárias pra que elas ocorram, também é difícil precisar. Mais complexo ainda é imaginar quais delas são frutíferas, quentes e brilhantes, agradáveis ou adoráveis e elegantes.

Percebo que numa estação acontecem muitas coisas nesse mundo metarecicleiro. No "meu", pelo menos, algumas foram bem bacanas, como por exemplo a conversa "ao vivo" com o Brazileiro, lá em Olinda. - que por sua vez me fez voltar à conversa com Régis, lá no Encontrão em Arraial, que agora recebe o Submidialogia. E aí as estações começam a se misturar: a primavera invade o outono, ambas anunciando o inverno. O meu e o seu passam a ser nossos. O tempo passado e futuro vira presente. A parte se dilui no todo...

Enfim, o prazo pra publicar este post acabou e o ciclo do outono também caminha pro fim.  A gente se encontra por aí e faz uma festa no início do próximo... Talvez as estações sejam apenas uma desculpa pra organizar o tempo e torná-lo aparentemente concreto. Talvez o tempo seja como as experiências: não dá pra pegar ou ver por completo . Apenas existe(m).

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